livro de partida #3

Juliano Barreto
revista Capitu
Published in
4 min readApr 4, 2015

Juliano Barreto,

“Mussum Forévis”

Sempre é tudo ou nada. O livro toma forma quando você acumula mais tudos do que nadas

Entre o rojão da ideia, encharcada de cerveja, e a libertadora entrega dos originais, pingando suor, o livro Mussum Forévis — Samba, Mé & Trapalhões consumiu um pedaço grande da minha vida. Não falo aqui apenas de tempo. Posso dizer que essa jornada toda levou três anos, como também posso dizer que comecei um pouco antes do Natal e terminei no meio do Carnaval. Meses em vez de anos. Minha noção de tempo com o processo todo é bastante subjetiva. Acredito que, sim, o ponto de partida é riscar o fósforo: “Está faltando uma biografia do Mussum, cara”.
Só que daí para frente são vários começos.

Ser acolhido pela editora. É um momento tudo ou nada. Conseguir o contato de um entrevistado complicado, achar uns minutos do dia desse cara para conversar, fazer essa conversa render. Sempre é tudo ou nada. O livro toma forma quando você acumula mais tudos do que nadas. Não que os nadas não sejam numerosos e doloridos. A ideia inicial vai sendo moldada com uma marreta. Vem a inevitável sensação de que cada palavra podia ser trocada por uma melhor, que está faltando algo, que é melhor checar pela oitava vez a mesma informação. Não pode sair nada errado.

Ao longo do processo desenvolvi a mania de olhar o contador de caracteres, para ver se o texto estava ficando com tamanho de livro. Besteira, eu sei. No começo usava quatro linhas para dizer o que poderia ser dito em uma frase. O texto precisava ser texto de livro. E lá se foram acumulando mais momentos de tudo ou nada. Até chegar o momento de ter tanta história para contar que não daria para colocar tudo em um livro, talvez nem em uma trilogia. Por maior que fosse. Comecei a estratificar histórias que renderiam belas quatro páginas em quatro linhas. Veio a parte dolorosa de ter que cortar texto, deixar um ou outro detalhe para trás. Uma letra do Cartola, sozinha, merece uma enciclopédia.

Tive a sorte e o azar de escrever com uma data de entrega irrevogável. A ideia, a essa altura com vários tentáculos, asas, chifres, que não estavam presentes lá no começo, era ter o livro pronto na data dos 20 anos da morte do biografado. Corri muito mais, me sacrifiquei muito mais. De novo, foi um trabalho de moldar histórias com uma marreta, não com um cinzel. Azar.
Ao mesmo tempo, o prazo me empurrou para frente, forçou disciplina (seis long necks de Heineken por noite — não mais, não menos) e impôs um ritmo que esmagou as incertezas do começo. Cada palavra podia ser trocada por uma melhor? Não, quanto mais simples e direto melhor. Será que está faltando algo? Não, está sobrando. É melhor checar pela oitava vez a mesma informação? Cara, confia no seu trabalho.

No final, uma ou duas semanas depois da quarta-feira de cinzas, entreguei os originais. Mudei milhões de coisas nas versões que voltavam revisadas. Parei de mudar apenas quando pararam de me retornar as provas. Volto agora a falar do tempo. A angústia entre enviar os originais e receber o primeiro exemplar durou mais de 678 anos, sete meses e 28 dias. Abrir o envelope e ver o livro pronto durou uns três segundos e também durou oito horas. No final das contas, estou costurando o livro até hoje. Também me pego pensando o que faltou, o que poderia mudar, o que faria diferente. Não é perfeccionismo, é a dor fantasma do cara que perde as pernas em um acidente e ainda sente coceira no dedinho do pé esquerdo.

Talvez o único jeito de parar de pensar nisso seja começar tudo de novo. Outro livro, outro prazo, outros momentos de tudo ou nada…

Livro de Partida é uma série de Capitu que convida autores de primeira obra lançada a falar sobre ela, sobre o processo de produção, edição, publicação.

Juliano Barreto é jornalista. Trabalhou como programador multimídia nas revistas Geek e H4CK3R, foi repórter na Folha de S.Paulo, além de atuar como editor e redator-chefe em sites, revistas e edições digitais da Editora Abril e da Microsoft do Brasil. Atualmente trabalha na Amazon. Desde 2006, mantém, com a colaboração de amigos, o Resenha em 6, que publica avaliações de filmes, livros, discos, botecos e restaurantes — sempre em seis linhas ou menos. Seus textos mais longos são publicados, sem frequência definida em julianojubash.wordpress.com.

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