Mata-Cavalos #3: Eduardo Rubi Cavalcanti

O que me fez o jornalista que eu sou, foi o desespero. Eu preciso viver de escrever — não consigo fazer qualquer outra coisa na vida

Chapéu
revista Capitu
4 min readNov 10, 2016

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"Dificulte suas pautas", me aconselhou o jornalista e professor Eduardo Rubi Cavalcanti em um dos meus primeiros anos de jornalismo na Universidade Santa Cecília (Unisanta). Era o momento de avaliação do produzido durante o último período. Como o que tinha produzido estava adequado, não era tão necessário corrigir algo quanto se propor tarefas mais difíceis nas próximas vezes. Vira e mexe eu me lembro disso, e aplico ou penso que aplico.

Mestre em comunicação social pela Universidade Metodista de São Paulo(Umesp) — com a dissertação “Ativismo On-Line — Comunicação e Organização Política na Internet” (veja um artigo derivado dela) —, na faculdade, Eduardo era uma das referências no que se refere a jornalismo cultural (foi pra ele, por exemplo, que mostrei minha primeira resenha de música) — de alguma forma, então, o professor influencia a Capitu de hoje.

Não Consigo Fazer Outra Coisa

Minha trajetória foi bem simples. Me formei, entrei num jornal diário, fui repórter, em seguida editor. Era editorialista também. Mas o que eu mais gostava de fazer era crítica de rock, o que eu fiz durante quase todos os 15 anos de jornal. Depois eu comecei a dar aulas em curso de jornalismo. Fiz mestrado e larguei a redação para ficar só com as aulas.

O que me fez o jornalista que eu sou, bom ou mau, foi o desespero. Eu preciso viver de escrever — ou de ensinar a escrever — porque não consigo fazer qualquer outra coisa na vida.

A crítica cultural foi o que me despertou interesse pelo jornalismo. E o meu interesse pela crítica se devia à cultura do rock. A crítica me fazia entender o rock e a cultura associada a ele. A crítica funciona quando ela combina análise, contexto e estilo. Isso vale pra qualquer coisa, mas eu aprendi com os críticos de rock e depois com os de cinema.

Copa do Mundo = Show do Lou Reed

Lou Reed | imagem: vectorportal.com

As experiências mais marcantes: estar em Los Angeles durante os distúrbios raciais de 1992 — eu tinha acabado de chegar; foi a minha primeira chance de fazer uma matéria em outro país — e cobrir os primeiros shows que o Lou Reed fez em São Paulo, em 1996. Cobri dezenas de shows, mas isso foi o meu equivalente a cobrir uma Copa do Mundo (foi com esse argumento, aliás, que eu convenci a chefia da redação a me liberar no meio da semana da minha função de editor de economia para que eu fosse à apresentação).

O Lou Reed pra mim era o músico vivo mais importante. Pode parecer uma coisa besta, mas ver o cara no palco, na minha frente, e ainda escrever sobre ele, foi um momento definitivo.

Estilo, Técnica e Senso do que Importa

O jornalismo cultural brasileiro sempre foi pra poucos. Cultura em geral é pra poucos. Dá muito trabalho, exige muito sacrifício, tanto pra consumir quanto pra entender — e mais ainda pra escrever a respeito com um mínimo de competência.

Tomo como referência, no jornalismo nacional, os textos do antigo Jornal do Brasil e da Ilustrada nos anos 1980, e o Paulo Francis sempre. No internacional, o Lester Bangs, a Rolling Stone, o Roger Ebert, o Gay Talese, o Tom Wolfe e o jornalismo cultural norte-americano mais especializado.

O que todos esses jornalistas tinham em comum, além de saberem tudo das respectivas áreas, era o estilo. eu nunca tentei copiar o estilo de nenhum deles, porque isso seria ridículo, mas eu sempre procurei estudar a técnica narrativa de cada um deles, aquilo que fazia o texto deles diferente. JB, Ilustrada, Rolling Stone conseguiam combinar textos com estilo e um senso bem preciso das tendências e do que era importante na cultura.

A Mesma Velha Nova História

Jornalismo é só um jeito mais trabalhoso de se contar uma história —pretendendo-se que seja verdadeira, quando mais simples e interessante seria assumir que não existe a verdade, só histórias bem ou mal contadas.

O jornalismo de hoje não é melhor nem pior que o jornalismo de ontem. Ele é a cara da sua própria época, da sociedade num determinado período de tempo. O problema é o de sempre, os talentos são sempre em menor número que o desejável. As possibilidades são infinitas, como sempre, porque cada novo talento redescobre o mundo à sua maneira e conta a mesma velha história de um jeito completamente novo e interessante.

Por isso, o jornalismo não acaba.

Duanne Ribeiro foi aluno de Eduardo Cavalcanti na Universidade Santa Cecília, onde se formou em jornalismo. É editor de Capitu, mestrando em ciência da informação, pós-graduado em gestão cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc) e graduado em filosofia, todos pela USP. É analista de comunicação no Itaú Cultural, um dos editores da Maquiavel e colunista do Digestivo Cultural.

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