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Nem todos os orientadores são mentores naturais — alguns precisam de treinamento

As instituições acadêmicas devem desenvolver e requerer treinamento em orientação para os professores de todos os níveis, não apenas aqueles que começam as suas carreiras

Duanne Ribeiro
revista Capitu

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["Not All PhD Supervisors are Natural Mentors — Some Need Training", depoimento anônimo, originalmente publicado na Higher Education Network; a tradução foi permitida pela publicação]

Quando eu contei ao meu orientador que eu gostaria de me juntar ao seu laboratório, ele piscou e disse: "Você acha que dá conta?". Eu fui arrebatada pela insegurança e uma onda de ansiedade fria passou por mim. Minha voz interior gritou: "Eu achava que sim, mas talvez não". Externamente, o que eu consegui reunir forças para dizer foi curto e tímido: "Sim, acho que consigo".

Essa não foi uma experiência isolada. Durante o meu doutorado, eu me senti frequentemente sobrecarregada pelas expectativas do meu orientador, até o ponto em que eu conclui que ciência não era para mim e escolhi largar a pesquisa após terminar o programa. Ao longo do curso eu sempre pensava: seria diferente com um orientador que tivesse sido treinado em tutoria?

Nos dias em que eu coletava dados, meu orientador repetidamente me pedia para "conseguir o máximo possível de informação". Ele inquiria "quanto você conseguiu hoje? e "qual a contagem de dados agora?". Essas questões eram disparadas sobre mim no decorrer do dia e em e-mails até o anoitecer, com frequência múltiplas vezes na mesma noite, quando ele esperava que eu ainda estivesse analisando e interpretando dados dos experimentos do dia.

Voltei ao escritório do meu orientador. Quando eu entrei, ele se virou para mim e disse: “Você não fez um bom trabalho. Você não fez nada de que possa se orgulhar hoje”

Essa atitude exigente era um reflexo dos altos padrões do meu orientador e do seu ímpeto de produzir tantos papers de alta qualidade quanto possível. Embora possa ser bom receber alguma pressão, isso acabou me derrubando. Eu queria dar uma contribuição real à ciência, mas o constante fluxo de pedidos acompanhado por tão pouco encorajamento me fez sentir que nada estava bom, nunca. Não eram dados suficientes, não eram publicações suficientes, simplesmente não era bom o suficiente.

Uma das minhas experiências mais estressantes foi uma apresentação no meu primeiro ano. Não somente eu estaria me dirigindo a outros cientistas do meu campo na minha universidade, mas pesquisadores de diferentes disciplinas também viriam assistir.

Eu devia ser bem-informada, interessante e focada. Mas eu estava trêmula e afobada, e eu quase nem conseguia avançar meus slides. Da frente da sala eu sentia meu supervisor emanar julgamento. Eu segui aos tropeços pela minha introdução, me expressei mal algumas vezes, e no geral errei o alvo da ideia central, mas consegui finalizar a apresentação com poucos erros.

Depois da fala, eu voltei ao escritório do meu orientador. Quando eu entrei, ele se virou para mim e disse: "Você não fez um bom trabalho. Você não fez nada de que possa se orgulhar hoje".

Eu fiquei abalada. Há uma divisa entre crítica construtiva e crueldade, e eu o vi cruzá-la. Eu tentei me defender, argumentando que eu iniciava na carreira e que não tinha atuado terrivelmente. Ele simplesmente discordou e disse que não poderia dizer nada diferente porque não poderia me dizer algo que não fosse verdade. Eu sai do seu escritório, me enfiei no meu, fechei a porta e chorei.

Muitas interações com o meu orientador foram assim, e elas me deixavam sentindo que nada do que eu fazia era bom o bastante. Minha confiança foi sacudida — eu questionava minha identidade como cientista constantemente. Eu pensava: como saber se estou ou não fazendo um bom trabalho? Eu sou preguiçosa? Meus padrões são baixos? Só quero atenção e aprovação?

Eu até considerei se não tinha uma personalidade fraca e por isso não conseguia aguentar a contínua enchente de requisições. Eu também especulei se o meu gênero afetava tanto as interpretações dele e minha a respeito do meu progresso. Eu questionei a minha ética de trabalho com constância e rotineiramente pensava sobre largar o curso.

Eu sabia que esse relacionamento não era saudável. Eu me sentia sem qualquer apoio e ansiava por encorajamento. Mas eu também sabia que não havia ninguém a quem recorrer. Quando eu pedi conselhos de outros membros do professorado, eles disseram que seus relacionamentos pessoais com o meu orientador implicavam que eles não podiam me ajudar. Eu me senti presa em uma armadilha.

A relação entre orientador e orientando é geralmente estranha e confusa e, às vezes — talvez com grande frequência — desconfortável e desafiante. Em minha universidade não se exige treinamento em orientação. Qualquer um tem a experiência do mestrado e do doutorado, mas, na maior parte dos casos, não há um curso ou uma equipe que guie os professores às melhores práticas. A maioria dos programas nesse sentido é opcional e ignorada.

Com a sempre presente pressão para publicar, garantir bolsas e se tornar o próximo prêmio Nobel, não é surpreendente que o professorado não arranje (ou não consiga arranjar) tempo para aperfeiçoar sua tutoria.

As instituições acadêmicas devem desenvolver e requerer treinamento em orientação para os professores de todos os níveis, não apenas aqueles que começam as suas carreiras. Esse treinamento deve abranger como abordar estudantes que lidam com distúrbios mentais, como aconselhar estudantes que buscam carreiras não-acadêmicas e, destaca-se, como encorajar os alunos a persistir frente ao inevitável cortejo de hipóteses e experimentos falhados que eles terão de encarar como cientistas.

Um currículo assim ajudaria a ensinar orientadores como é importante dizer, apenas, "valeu a tentativa". Três palavras com o poder de melhorar o seu dia.

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Duanne Ribeiro é editor da Capitu. Jornalista formado pela Universidade Santa Cecília, mestrando em ciência da informação, pós-graduado em gestão cultural pelo Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc) e graduado em filosofia, todos pela USP. É analista de comunicação para o Itaú Cultural, membro do conselho editorial da revista de política e ideias Maquiavel e colunista do Digestivo Cultural.

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Duanne Ribeiro
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Jornalista. Mestre em Ciência da Informação, pós-graduado em Gestão Cultural e graduado em Filosofia (USP). Analista do @itaucultural. Editor da @rcapitu.