Liberdade de expressão ameaçada no Brasil

A liberdade de opinião e de expressão está assegurada pelo Artigo 19. Mas, no Brasil, só em 2015, seis comunicadores foram assassinados.

Luíza Buzzacaro
Direitos humanos para quem?
6 min readJul 31, 2016

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Era uma tarde de quinta-feira, dia 6 de agosto de 2015, e o noticiário estava sendo apresentado na Liberdade FM,em Camocim, Ceará. Dois homens entram na rádio, rendendo a recepcionista do local. Alguns segundos depois, três tiros são disparados contra o radialista Gleydson Carvalho.

Conhecido como o “amigão” da cidade, Gleydson também tinha fama de ter uma personalidade muito forte. “Ele era uma grande pessoa, um bom profissional, tinha um grande coração”, diz Miquéias Santos, colega do radialista. Os tiros foram certeiros. Gleydson foi morto por denunciar e criticar casos de corrupção na cidade do interior do Ceará. “Ele fazia essas denúncias por amor à profissão e por amor às pessoas. Mesmo correndo riscos e sofrendo ameaças”, declara Santos.

Infelizmente, esse não foi o único caso de violação à liberdade de expressão em 2015. Gleydson foi um dos seis comunicadores assassinados no ano passado. Segundo a Press Emblem Campaign, ONG suíça criada por jornalistas, o Brasil hoje é um dos lugares mais perigosos para comunicadores, ficando atrás apenas da Síria, Iraque, México e França. De acordo com relatório anual da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), somente no Brasil, entre assassinatos, agressões, ameaças e outros tipos de intimidações, foram, em 2015, 116 casos de violações à liberdade de expressão de jornalistas.

O relatório da ONG Artigo 19 complementa o cenário da tragédia ao revelar um aumento de 67% nas violações contra à liberdade de expressão de 2014 para 2015. Dessas violações, 60% foram contra jornalistas que faziam denúncias, principalmente ligadas a questões políticas. O aumento deve-se, em grande parte, à impunidade dos criminosos. É o que ressalta Júlia Lima, do programa de proteção e segurança da liberdade de expressão da Artigo 19: “Existe um alto número de casos que segue sem avanço nas investigações e sem resolução”.

Para alertar a população sobre essas violações, um museu e instituto dedicado à liberdade de expressão, nos Estados Unidos, vai homenagear o radialista Gleydson Carvalho. Todo ano o Newseum modifica o Monumento para Jornalistas para reconhecer os perigos da profissão na busca por notícias e informação. Gleydson foi escolhido para integrar a lista de 20 jornalistas que representam todos trabalhadores de imprensa assassinados no ano de 2015.

Os meios mais perigosos

Profissionais de rádio e internet são os que mais correm risco. Segundo o relatório da ABERT, foram quatro casos contra profissionais de rádio e quatro contra profissionais de internet. Já no relatório da Artigo 19, os números são outros: foram seis casos contra radialistas e 13 contra blogueiros. A diferença dos dois documentos é que, nos levantamentos feitos pela ABERT, somente são considerados os casos que estão comprovadamente ligados ao exercício da profissão.

Lima ressalta que o rádio é um importante veículo de comunicação que trata de interesses do povo, principalmente em cidades do interior, como era o caso da rádio onde Gleydson trabalhava. “Os crimes se relacionam com o fato desses comunicadores realizarem cobertura de política local em suas cidades, geralmente pequenas. A maioria dos mandantes desses crimes são, possivelmente, políticos e agentes públicos denunciados por esses comunicadores”, diz Lima.

Já no caso de blogueiros e profissionais de meios digitais, a lógica é um pouco diferente. Lima fala que a visibilidade desses profissionais é menor e que, por isso, as intimidações e crimes tornam-se mais comuns. “Esses profissionais são independentes e não contam com uma estrutura de um meio de comunicação por trás, o que, muitas vezes, serve como motivação para o cometimento desses crimes com a certeza de nenhuma repercussão e pouca pressão para suas investigações”, explica.

ELE FAZIA ESSAS DENÚNCIAS POR AMOR À PROFISSÃO E POR AMOR ÀS PESSOAS. MESMO CORRENDO RISCOS E SOFRENDO AMEAÇAS.
Miquéias Santos

O diretor geral da ABERT, Luís Roberto Antonik, concorda com a colocação de Lima e complementa: “As entidades maiores, pelo próprio porte, pela própria natureza e profissionalismo, têm programas de proteção aos empregados, que são mais profissionalizados”. Além disso, o diretor geral diz que existem dois tipos de programas desenvolvidos pelas grandes empresas jornalísticas: o primeiro incentiva os funcionários a usarem equipamentos de segurança, como capacetes e coletes em coberturas especiais; e o segundo diz respeito a manuais com conselhos dados aos funcionários sobre como se comportar em determinadas situações.

Outro ponto importante, de acordo com os relatórios de 2015, é que grande parte dos jornalistas assassinados ou vítimas de agressão já haviam sofrido ameaças e notificado a polícia, mas nada foi feito para protegê-los.

O jornalista e chargista Augusto Bier (fotos) passou por uma situação de ameaça. Bier trabalha na assessoria de imprensa do SindBancários, em Porto Alegre, e, após várias publicações de charges e caricaturas que criticavam o governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, ele foi ameaçado: “Naquela noite, alguém telefonou para a minha casa e disse para eu parar de desrespeitar o governador com aqueles desenhos. Do contrário, iriam quebrar meus braços”. Como forma de proteção, o jornalista registrou um boletim de ocorrência na delegacia e divulgou o caso nas redes sociais, para que a ameaça se tornasse pública.

Censura e prisão

Mesmo sendo um direito, a liberdade de expressão não deve ser invocada para dizer coisas ofensivas a alguém, fazer apologia a crimes e propagar discursos de ódio. “A liberdade de expressão não é um direito absoluto e deve sempre ser balanceada com a garantia de outros direitos”, ressalta Lima.

Quando aplicado a jornalistas, o direito é mais específico. Por informar e formar opiniões de milhares de pessoas, a legislação deixa claro que esses profissionais não podem incitar a quebra da ordem pública. Mas,mesmo quando não opinam e apenas informam, esses profissionais, às vezes, acabam sendo agredidos.

O ano não vem sendo bom para o jornalismo brasileiro. No Paraná, jornalistas da Gazeta do Povo estão sendo processados por danos morais, depois de denunciar os altos salários de juízes e promotores do seu Estado. Já o jornalista Marcelo Auler, responsável por um blog que trata sobre política, sofreu censura. Em maio de 2016, 10 textos que tratavam sobre a Lava-Jato foram retirados do blog a pedido de delegados da Polícia Federal e por determinação de dois Juizados Especiais de Curitiba. Ainda foi dito a Auler que ele estava proibido de publicar textos sobre o assunto.

Em Porto Alegre, o jornalista Matheus Chaparini, do Jornal Já, foi preso enquanto cobria a ocupação da Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul por secundaristas no dia 15 de junho. Depois de 14 horas no Presídio Central, foi solto, mas responde por quatro crimes, entre eles corrupção de menores, inafiançável.

Em âmbito nacional, jornais noticiam a intenção do presidente interino, Michel Temer, de reduzir a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e fechar a TV Brasil. O Marco Civil da Internet também está ameaçado. O PL 1589 de 2015, criado pela deputada Soraya Santos e deferido parcialmente pela Câmara dos Deputados, prevê que o Estado atue de forma mais precisa sobre os crimes cometidos na internet, dando poderes imediatos às autoridades de investigação. Além disso, segundo o PL, qualquer pessoa poderia entrar com pedido de retira da de conteúdos online que usem sua imagem ou nome.

Com tudo isso, as expectativas para o restante de 2016 não poderiam ser boas. Para Lima, fatores como a instabilidade política contribuem para esse cenário. “É importante que todos os políticos, independentemente de partidos, tenham consciência de que eles são agentes públicos e a população deve sim avaliá-los e criticar a sua conduta quando achar pertinente”.

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Luíza Buzzacaro
Direitos humanos para quem?

Crônicas sobre mim, sobre o que vivo e sinto lá no fundo do peito 📝