Na sala com o casal erótico

A história do casal que sustenta a família com o dinheiro do sexo. Os dois filhos, de 8 e 12 anos, acreditam que o dinheiro vem de panfletagem

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Direitos humanos para quem?
6 min readDec 15, 2015

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Nos classificados, o “Casal Erótico” é o “moreno de corpo atlético” e a “morena clara de quadril grande”. Da porta pra dentro da casa, no bairro Glória, são Luciano e Luciana, pais de Igor* e Rafaela*.

Cento e sessenta reais é o preço que se paga por uma hora de sexo com eles. Se preferir, por R$ 100, o cliente tem a relação apenas com Luciano. A mulher não atende sozinha. Diz que não se sente à vontade longe do parceiro cujo relacionamento já marca 14 anos — o marido também prefere que seja assim. Mas isso não quer dizer que as propostas não surjam. “Ele (o cliente) queria que eu ficasse olhando, batendo punheta e nem tocasse na minha mulher”, conta Lucia — no sobre um dos pedidos já recusados.

Luciano, 37 anos, e Luciana, 33, tiram a renda principal da família na cama. Em hotéis, motéis ou na casa de clientes, eles encontraram uma maneira de, segundo o marido, “conseguir dinheiro fácil e rápido”. Quando começaram o relacionamento, ela, que frequentava a igreja evangélica, acreditava que o namorado trabalhava com entregas para uma empresa. Mesmo assim, disse que não se importou ao saber das reais atividades do marido, que já fazia sexo por dinheiro quando se conheceram, fato que veio à tona apenas alguns meses depois do início do relacionamento. “Eu falei: é teu, faz o que tu quiser. Frente ou verso, é tudo teu”, complementa, enquanto o marido diz “Shhh. Cuida as crianças”.

Luciano se referia aos filhos: Igor* e Rafaela*, 8 e 12 anos, respectivamente, que não têm ideia do que os pais fazem para sustentar a família. E são eles a motivação, segundo a mãe, para ela ter começado a trabalhar junto ao marido. “Eu faço só pensando que é mais um na minha carteira. Aí saio e já compro coisas para as crianças. É sempre pensando nelas”.

Na televisão, o programa da Eliana era alto o suficiente para atrapalhar a gravação da voz dos entrevistados. Percebo que os filhos realmente não sabem qual o trabalho dos pais quando sou apresentada ao mais novo, pela mãe, como “a chefe dos panfletos”.

A família de ambos também acredita que o casal vive do dinheiro da distribuição de panfletos em semáforos. Luciano até tem outro trabalho — é vendedor no ramo alimentício — , mas diz que a “crise do país dificultou os negócios ultimamente”.

O casal conta não ter restrições quanto aos clientes. “Tá na rede é peixe”, diz Luciano. A esposa complementa dizendo que só não aceitam “nojeiras”, relembrando um caso quando um cliente telefonou e perguntou se o casal fazia “chuva dourada”, nome popular dado ao ato de urinar sobre o parceiro, chegando-se, em alguns casos, a beber a urina. Recusaram a proposta.

O ônus do trabalho é nunca saber quem entrará pela porta. “Tem gente que fede. Aí, depois que tu tá lá, tem que disfarçar”, afirma Luciano. E, mesmo ele, que assume “fazer pelo prazer”, confessa que, às vezes, “não vê a hora daqueles minutos acabarem”.

Desde que ingressou no ramo, Luciana só parou nas gestações e quando fica de “resguardo”, como o marido chama o período da menstrução. Mesmo tendo camisinha e anticoncepcional como “itens indispensáveis”, Luciana “tem alguns sustos quando a menstruação atrasa”. Em relação aos exames médicos, Luciano afirma que fazem “de vez em quando”.

Ambos acreditam que o seu diferencial é o fato de serem “casados mesmo”, caso raro segundo Luciano. “Maioria é namorico. Não rola a quí- mica. O casal que é casado mesmo, que tem a rotina, se tiver a mente aberta e conversar sobre isso, não tem por que ter problema”.

Eles garantem que não há ciúmes ou discussões. “Na hora H, a gente aceita qualquer negócio”. E a esposa reforça: “Até porque, pra mim, é só pelo dinheiro. Eu só me estimulo com o meu marido, então ele faz alguma coisa em mim primeiro. Às vezes, eu chego até a colocar algum creme, principalmente para o anal. Eu só penso que, já que estão pagando, eu vou fingir o que for preciso”. O marido emenda a conversa dizendo que a mulher engana muito bem. “Às vezes, ela dá um gemido no meu ouvido e eu chego no meu máximo. Se ela engana até a mim, que sou o marido, imagina os outros”.

O tom da entrevista era moderado por Luciano, que se preocupava constantemente se as crianças estariam escutando. Quando perguntei como eles fazem para que os filhos não descubram, ele mais uma vez toma a frente na resposta: “A minha guria a gente tenta preservar. Agora o guri… Ah, meu guri é safado!”. Então, eles me explicam que, com Igor*, apesar de ser mais novo que a irmã, o diálogo sobre sexualidade é mais aberto e não veem problema nenhum se ele desejar seguir os passos dos pais.

A maioria dos clientes são homens que procuram, sozinhos, pelos serviços do casal ou apenas de Luciano que, embora faça sexo com os dois gêneros, diz que prefere a relação com mulheres. Luciana não parece incomodar-se com o assunto nem com a situação. Inclusive, conta que, às vezes, ela acompanha o marido apenas para poder estimulá-lo sexualmente, pois ele não se excita sozinho com um homem.

O casal concorda que é por curiosidade que as pessoas pagam por sexo. “Já teve um casal que, da primeira vez, só fazia o que a gente começava. Aí, na segunda, já fazia tudo que tinha direito e pediam coisas que, antes, tinham vergonha”, exemplifica Luciana.

Embora não saibam ainda os próximos passos profissionais, a ideia é conseguir um sócio que entre com o capital financeiro para que eles possam ter um lugar próprio para as atuações do Casal Erótico. “Eu queria fazer uma casa de massagem. Porque nosso grande problema é não ter como colocar isso dentro da minha casa com meus filhos”, comenta Luciano.

Para divulgar os serviços, a dupla conta com anúncios semanais em dois jornais locais. Luciana reclama: “Pra mim, ‘quadril grande’ é uma pessoa gorda, mas o jornal não deixa a gente colocar ‘bunda gostosa’”. Além disso, mantêm um site com informações de contato e uma galeria de fotos, onde o casal aparece em registros pornográficos.

O desafio futuro é a mudança de residência. Junto aos dois filhos, o casal vai se mudar para uma casa no terreno da mãe de Luciana, em Esteio, região metropolitana de Porto Alegre. Pergunto como vai ser morar no mesmo lugar que a sogra, e, mesmo com receio, Luciano responde que não pretende deixar de atender seus clientes. “Nem se eu fosse rico eu parava. Por mim, eu faria sexo todo dia, toda hora”. Quando questiono se os filhos seriam um motivo para eles pararem, novamente quem responde é Luciano, dizendo que realmente não sabe como serão as coisas quando eles crescerem.

A conversa é encerrada pelo toque do telefone de Luciano. “Ah, só falta ser cliente, né! Mas hoje não. Até porque ela tá naquela semana de resguardo”, disse o homem, pegando o aparelho e vendo que se tratava da mensagem de um cliente interessado. Tento prosseguir com a conversa e pergunto como é a vida sexual dos dois fora dos quartos de hotéis ou motéis, e Luciano responde que o sexo entre eles só melhorou depois que começaram a fazer o serviço juntos. Quando encaro Luciana para saber o que ela acha disso, ela olha para mim, respira fundo e insiste. “Pra mim, sexo é dinheiro. Só isso”. E pela primeira vez, duas horas e meia depois que começamos a entrevista, a esposa discordou do marido, e o silêncio invade o espaço.

*Nomes fictícios para proteger a identidade dos menores

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Direitos humanos para quem?

Jornalista que escreve para tentar entender as coisas que sente, que vê, que pensa. Às vezes os textos funcionam. Às vezes não. E às vezes eles param aqui