No meio do lixo

Como funciona uma Unidade de Triagem? Conheça a Cooperativa Mãos Unidas Santa Teresinha, composta por 27 trab

Camile Fornasier
Direitos humanos para quem?

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Em uma rua entre a Voluntários da Pátria e a Farrapos — no dia da reporta gem, com árvores e galhos caídos devido ao temporal do dia anterior — , está localizada a Cooperativa Mãos Unidas Santa Teresinha.

Ao entrar na Unidade de Triagem (UT), há uma imagem de Santa Teresinha na parede, perto de uma cruz, e um bebedouro, ao lado de uma mesa com um buquê de flores. Logo à esquerda, um banco de madeira e algumas cadeiras.

Vários materiais chegam por meio de combis e caminhões, e descarregam lixo de unidades dos Correios, Carrefour e Atacadão, parceiros da cooperativa. Além do convênio com o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), que doa recursos para, entre outros fins, a manutenção da estrutura.

A UT é um dos 18 estabelecimentos do programa “Todos Somos Porto Alegre”, que busca retirar carrinheiros e carroceiros das ruas de Porto Alegre, oferecendo oportunidades de trabalho. A iniciativa conta com os projetos Inclusão Produtiva de Condutores de Veículos de Tração Animal e Veículos de Tração Humana, Reestruturação do Sistema de Triagem de Porto Alegre e Educação Ambiental.

O programa é coordenado pela Cooperativa Mãos Verdes, que oferece os serviços de assessoria a iniciativas de sustentabilidade, elaboração e execução de projetos em gerenciamento e reciclagem de resíduos, formação de pessoas e elaboração de estudos técnicos.

Depois de passarem por um curso sobre como trabalhar dentro de unidades de triagem, os catadores de lixo criaram a Santa Teresinha, instalada em um galpão cedido pela prefeitura.

Na UT, homens de idades variadas, muitos com camisetas de time de futebol, entram e saem carregando sacos de lixo. Um deles é argentino e trabalha como bomboneiro — responsável por levar o material separado nas bombonas de lixo para as prensas. As mulheres parecem ter bastante afinidade entre si, trabalham escutando música e cantando. De longe, escutam-se os catadores falando sobre trabalho, enquanto separam o material depositado pelos caminhões da coleta seletiva. Eles puxam o lixo por um dos buracos, triam a parte que não pode ser aproveitada é separada e vai para um aterro sanitário e o colocam em bombonas.

Há uma espécie de triagem secundária de plástico, na qual são separados itens como garrafas pet de várias cores e potes de margarina. “Essa unidade de triagem, de todas as unidades de triagem de Porto Alegre, é a que, vamos dizer, é famosa por ter a melhor triagem”, orgulha-se o educador Alex Viana, que trabalha na Santa Teresinha desde julho de 2015 e implantou iniciativas para melhorar o desempenho da cooperativa, como reuniões periódicas com metas a serem atingidas. Em seguida, o bomboneiro leva o conteúdo para uma das três prensas, onde são feitos os fardos que serão vendidos.

O quilo da garrafa pet branca é vendido por R$ 1,10, o de latinhas sai por R$ 3,20, e o do papel colorido misturado (várias embalagens, de várias cores) custa R$ 0,18. Como é um sistema de cooperativa, o valor total das vendas é dividido em partes iguais entre os trabalhadores.

O “Todos Somos Porto Alegre” é custeado pelo Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), que estabelece metas. Uma delas é que, até dezembro, cada catador cadastrado esteja ganhando R$ 900 por mês, número que deve ser atingido considerando os R$ 700 e poucos que estavam recebendo em outubro. O cumprimento das metas garante a continuida de da concessão dos equipamentos, por exemplo.

“Tinha que ver o que a gente ganhava aqui no começo. Agora que a gente melhorando o salário, mas tinha quinzena que nós tirava o quê?! 100 pila, 80, e tinha que lutar de novo pra outra semana tu conseguir mais, sabe?”, conta Eloá da Silva, que trabalha com reciclagem há 21 anos e é a tesoureira da cooperativa. Em breve, a trabalhadora vai virar vicepresidente, além de já ser coordenadora adjunta, já que é quem mais entende dos materiais. “Esse aqui dá mais, esse aqui dá menos, como é que nós temos que fazer, como é que vai fechar o caminhão, quanto que nós temos que ter cada quinzena…”, assim ela explica sua função na Unidade de Triagem.

O local é bem organizado, o lixo é separado em várias categorias, como por tipo de material, cor e preço. A Unidade de Triagem busca reciclar e vender todo tipo de material para o qual haja comprador; recentemente, incluiu o isopor, já que apareceu um fornecer e o preço era bom. Para eles, quanto mais material se pode aproveitar, melhor.

Há uma pessoa encarregada de cozinhar a comida, feita com alimentos doados. No intervalo da manhã, os homens e as mulheres saíram para lanchar e comentaram sobre os estragos da chuva nas suas casas. No galpão, o estrago não foi grande, voaram algumas telhas, mas a estrutura não foi comprometida. Eloá, ao apontar para os buracos no teto, diz que ainda estão no lucro, porque antes não tinham sequer um lugar coberto para trabalhar. “Nós temo com tudo! A gente , como se diz… brilhando”.

Eloá salienta que hoje o material reciclado é utilizado até como decoração. “No começo, ninguém te dava bola, tu era discriminada porque tu catava lixo. Hoje, gente burguesa faz trabalho com as coisas do lixo”.

O programa “Todos Somos Porto Alegre” tem regras como a proibição de fumar, trabalhar alcoolizado ou sob efeito de drogas, acesso de menores e trabalho sem os equipamentos de segurança (luva, bota e óculos).

A UT funciona em dois turnos e tem 27 associados. A Cooperativa Santa Teresinha tem apenas um ano, mas se destaca; por exemplo, é a que tem mais quantidade de prensas e está se desenvolvendo positivamente segundo critérios mensurados em todas as Unidades de Triagem da capital gaúcha.

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