Pelo direito de ser pai

A maternidade e a infância têm direitos assegurados pelo artigo 25. Mas e o direito da e à paternidade? Nova geração de pais não quer abrir mão de estar mais perto dos filhos

Bruna Rohleder
Direitos humanos para quem?
6 min readAug 2, 2016

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O sono é profundo. A expressão facial é tão calma como se estivesse ainda na placenta. Théo está enrolado em um cobertor azul e, para deixá-lo ainda mais perto de seu pai, ele é segurado por uma cinta suspensória. Sentado no sofá, em frente à televisão, Ivanez Bernardi passa os seus dedos nas costas do filho recém-nascido, acariciando-o, enquanto a mãe, Fábia Mallorca, lava a louça.

O casal, Ivanez e Fábia, moram em casas diferentes. Eles têm duas filhas, Eduarda, oito anos, e Théo, 1 mês. A família é completada por Emily, a filha mais velha, fruto do primeiro casamento de Fábia. Durante as duas folgas semanais do trabalho, Ivanez passa as tardes com a esposa e os filhos. Naquele momento, no dia da entrevista, Ivanez abraçava o filho recém-nascido. A demonstração de afeto com o bebê era difícil durante a gestação, conta ele, que não se comunicou muito com Théo ao longo dos nove meses da gravidez. Colocar a mão na barriga e falar baixinho e próximo de Théo, antes de nascer, não foram ações feitas com muita frequência. Ele lamenta: “eu fui buscar o vínculo com o Théo depois. E quando percebi, já era hora de voltar a trabalhar. Eu queria ficar mais tempo com ele para me apaixonar. Aí eu voltava para a minha casa, cansado e dormia. E no próximo dia tinha que trabalhar de novo”.

O pai de Théo trabalha às segundas, quintas, sextas e aos sábados, das 14h às 20h. Geralmente fica acordado durante as madrugadas, e dorme quando o sol está nascendo. Insônia, diz. Ele faz parte de uma empresa terceirizada responsável pelo atendimento da companhia aérea TAP no Aeroporto Internacional Salgado Filho.

Ivanez teve direito a apenas os cinco dias de folga do trabalho garantidos pela Constituição para auxiliar a mãe, que teve parto de cesárea em um sábado, dia 5 de abril de 2016. Os três dias seguintes foram agitados. O entra e sai das enfermeiras, o choro de Théo e de outros bebês no quarto, e a recuperação de Fábia fizeram com que Ivanez não dormisse nesses dias. Quando todos foram para casa, no quarto dia, o pai esteve ocupado providenciando a certidão de nascimento do bebê. As últimas 24 horas do período de folga foram o momento em que Ivanez pôde, enfim, passar mais tempo com Théo.

O benefício não é para todos

A história de Ivanez Bernardi é a mais comum entre os empregados no Brasil. Os cinco dias de licença-paternidade aos quais os brasileiros têm direito pela Constituição de 1988 costumam ser agitados e corridos, e os pais precisam auxiliar as mães na recuperação pós-parto. Para amenizar o problema, a então presidenta, Dilma Rousseff, sancionou a Lei Nº 13.257, em março de 2016 que aumenta para 20 dias o período em que os pais ficam afastados do trabalho.

Para que os pais tenham direito ao benefício de 20 dias, as empresas precisam se cadastrar no Programa Empresa Cidadã, o que é facultativo. O incentivo para que elas optem pelo programa é a isenção fiscal. Contudo, a lei depende da aprovação orçamentária no Congresso Nacional. Só depois de definir a renúncia fiscal, entrará em vigor. “Como ainda não há a aplicação do incentivo fiscal, não temos controle se alguma empresa já está concedendo a prorrogação da licença assumindo o custo do benefício”, explica o auditor-fiscal da Receita Federal Gustavo Busato. A lei dá direito à licença ao pai biológico ou à pessoa que obtiver guarda judicial para a adoção, como casais homoafetivos.

“O benefício da licença, tanto para a mãe quanto para o pai, não é bem aceito livremente. As empresas têm certa restrição porque é um funcionário que está fora enquanto a empresa arca com o custo. Algumas empresas não veem com bons olhos”, afirma o advogado trabalhista Roberto Springer. A condição para a licença remunerada é que o empregado não tenha nenhuma fonte de renda extra durante o período de 20 dias. Sua atenção deve ser dada exclusivamente à família.

Primeira infância

A licença-paternidade de cinco dias acompanha a imagem estereotipada de um pai que se preocupa somente com a provisão financeira da casa. Aquele mesmo que chega do trabalho, vai direto à sala e liga a televisão para ver futebol. Um pai sem participação familiar.

O comunicador Marcos Piangers, que lançou o livro O Papai é Top, em 2015, e vendeu 60 mil exemplares no Brasil, diz que a figura paterna distante não faz mais parte do século 21, e a licença precisa acompanhar essa nova realidade. “É muito mais interessante os pais terem uma participação efetiva, um tempo para cuidar do bebê, para dividir as tarefas nos primeiros meses de vida que são muito puxados, muito trabalhosos e muito complicados. É muito difícil para a mulher, e quanto mais o pai participar, mais legal”, diz Piangers.

Para a psicóloga Débora de Oliveira, especialista em terapia de família e de casal, é importante que o pai seja presente nos primeiros dias do nascimento do filho. Enquanto a mãe está preocupada em se relacionar com o bebê, o pai precisa tomar conta do ambiente da casa e auxiliá-la no que for preciso. Dar banho no bebê, trocar as fraldas, organizar a casa e preparar a alimentação são tarefas que ele pode assumir no dia a dia, mais ainda enquanto a mulher se recupera. Oliveira afirma: “o pai tem que estar junto e a mãe precisa saber que pode contar com ele”.

A psicóloga ressalta que o vínculo do pai com o filho começa ainda na gestação. Ouvir a voz paterna dentro da barriga e sentir o toque da mão do pai são atitudes que o homem pode proporcionar para que o bebê o reconheça depois. Quando nascer, o filho associará a voz com cheiros e o tato.

Alguns homens já lutam para ter esse tempo no lar, e reconhecem como é importante a sua presença. Para Piangers, a experiência da paternidade é única. “Isso seria muito bom para a mulher e para a criança, mas o aumento da licença-paternidade é muito bom para o homem. Muitos deles não sabem, mas é um prazer incrível participar da criação de outro ser humano e ser presente nesses momentinhos tão incríveis, como a primeira vez que abre o olho, que fala o seu nome, que pega na sua mão, que dorme abraçado, que fala ‘eu te amo’. Esse tipo de coisa é muito emocionante para qualquer pessoa, seja mulher ou homem. E muitos homens deixam isso escapar”.

“O pai tem que estar junto e a mãe precisa saber que pode contar com ele”. — Débora de oliveira

Poder abraçar o seu filho nos primeiros dias de vida, ajudar a cuidar do bebê e auxiliar nas tarefas de casa são direitos e deveres de todo o pai. Reconhecer que todo o trabalhador precisa da licença-paternidade aumentada não é bondade, mas necessidade.

As consequências do cuidado paterno serão enriquecedoras para novas gerações que irão saber o que é ter um pai presente e atencioso.

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