Por que Francis Ford Coppola — O Apocalipse de Um Cineasta é um filme histórico

O documentário encapsula o que era a Nova Hollywood e confirma: Apocalipse Now reflete o caos de seus bastidores.

Rodrigo Torres
Revista Cine Cafe
4 min readJul 16, 2024

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(Francis Ford Coppola — O Apocalipse de Um Cineasta, 1991)

Francis Ford Coppola - O Apocalipse de Um Cineasta (1991) resgata, de modo particular, a relação ambígua que eu tenho com vídeos de bastidores. Meus primeiros contatos foram com os making of de Titanic (1997) e Matrix (1999) — filmes cuja tecnologia revolucionária nos fazem enxergar a tal “magia do cinema” e que aumentaram o meu encanto pelas obras e pela arte de um modo geral.

Já nos anos 2000, a popularização do DVD, cheios de extras, foram como um Cavalo de Troia. Ali eu me deparei com bastidores em excesso. Tanto por processos pouco interessantes como de experiências que eu não estava preparado para ver sem sentir um certo desencanto.

Sabe a cena em que o Capitão Willard soca um espelho e fere a mão? É tudo verdade, pois Martin Sheen estava realmente embriagado na cena. Seu estresse físico e emocional resultaram num ataque cardíaco aos 36 anos. (Francis Ford Coppola — O Apocalipse de Um Cineasta, 1991)

Foi assim ao ver que os carros e motos daquela perseguição frenética de Matrix Reloaded (2003) foram filmados em baixíssima velocidade. Foi assim ao conhecer o homem que inspirou o protagonista de Prenda-me se For Capaz (2002) — um tiozinho bonachão demais pra minha imaginação. Foi assim com essa avalanche de filmes em tela verde que tomou a indústria. É assim ainda, em grande medida, para ser sincero. Eu amo a Filmes de Plástico, mas não aguento mais os filmes de plástico.

Apocalypse Now (1979) representa o completo oposto dessa definição. Um filme, como diria o outro, visceral. E eis que O Apocalipse de Um Cineasta cumpre o papel de confirmar o que a história já dizia: a atmosfera febril e caótica do longa-metragem reflete o que foram suas gravações.

Dennis Hopper vivia cheirado e não tomava banho, para o pavor de todos no set. Por isso, Marlon Brando se recusou a gravar com ele, e só aceitou ser filmado de preto, à noite e no escuro, pois estava muito gordo. Além disso, ele não leu o livro original e improvisou suas falas, para o desespero de Coppola e sua equipe. (Francis Ford Coppola — O Apocalipse de Um Cineasta, 1991)

Se obras como o controverso-mas-delicioso livro Como a geração sexo-drogas-e-rock’n’roll salvou Hollywood (1998) levantam suspeitas sobre a veracidade dos seus relatos, O Apocalipse de Um Cineasta mostra os desafios profissionais, logísticos, físicos, emocionais e até geopolíticos que Francis Ford Coppola precisou enfrentar para o seu premiado filme acontecer.

Assim, de certa forma, o documentário atenua a visão que eu tinha do Coppola e de suas culpas na produção de Apocalypse Now. O clima nas Filipinas e o incidente ocorrido com Martin Sheen são coisas absolutamente incontroláveis, assim como o comportamento de Dennis Hopper e Marlon Brando. Dado o talento de ambos, eu passo pano também para o fato de Coppola ter confiado em duas pessoas como eles — um louco e um maluco, intoxicados por coisas distintas, porém igualmente rebeldes: cocaína e ego.

Mas não foi só o elenco que afetou as filmagens de Apocalypse Now — mas nem mesmo Coppola imaginaria que o documentário do filme seria um material histórico porque resultado de bastidores tão caóticos. (Francis Ford Coppola — O Apocalipse de Um Cineasta, 1991)

Por outro lado, as escutas que a documentarista Eleanor Coppola (que assina a codireção do filme com Fax Bahr, George Hickenlooper) faz do próprio marido confirmam os demônios de Francis como artista e, principalmente, revelam suas dimensões como ser humano. Dúvida, desespero, teimosia e determinação são alguns aspectos que saltam à fala de Coppola, o que transforma um pouco aquela velha ideia de que ele é um homem duro e aumenta minha admiração por ele como cineasta.

É por isso que Francis Ford Coppola — O Apocalipse de Um Cineasta é um documentário histórico e necessário para todo fã de cinema. O longa-metragem apresenta os bastidores de um dos maiores filmes do cinema estadunidense de modo realista e íntimo, explorando aspectos que espelham diretamente a narrativa de Apocalypse Now, como obsessão, destruição e loucura. E, de quebra, encapsula o que foi a Nova Hollywood: um período de liberdade criativa abissal para os diretores, o que resultou em obras-primas da sétima artes e algumas das produções mais caóticas da história.

Obras citadas:

Francis Ford Coppola — O Apocalipse de Um Cineasta (Hearts of Darkness: A Filmmaker’s Apocalypse, 1991), de Fax Bahr, George Hickenlooper e Eleanor Coppola; Titanic (1997), de James Cameron; Como a geração sexo-drogas-e-rock’n’roll salvou Hollywood (Easy Riders, Raging Bulls: How the Sex-Drugs-and-Rock ’n’ Roll Generation Saved Hollywood, 1998), de Peter Biskind; Matrix (The Matrix, 1999) e Matrix Reloaded (The Matrix Realoaded, 2023), de Lana Wachowski e Lilly Wachowski; Prenda-me se For Capaz (Catch Me If You Can, 2002), de Steven Spielberg.

Caro Diário é uma seção da Revista Cine Cafe na qual escrevemos nossas impressões sobre os filmes em poucas linhas.

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Rodrigo Torres
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Crítico de cinema, membro da Abraccine. Letrólogo e jornalista formado em Comunicação e UX. Amo artes, esportes, geopolítica e todo tipo de papo de bar.