Estupro

Revista Contexto
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2 min readFeb 7, 2021

Poema de Priscila Arco

(“Judith decapitando Holofernes” — 1612–1613 — Artemísia Gentileschi, óleo sobre tela)

estupro
é a palavra pra violação
do que é muito mais que
um corpo
a violação de quem era
inteira
de quem ficou aos cacos
aos prantos
a quem eles esperam
que se refaça
a quem eles pedem
resistência, resiliência
e fé.

diante do corpo dolorido, rasgado
invadido
pelo gozo
de quem eles chamam
de monstros ou loucos
enquanto suavizam o estupro:
assédio ou abuso
entre parentes, chamam de
incesto
quase como
consensual.

relativizam o crime
e falam das roupas, das fotos
ironizam a conduta, o trabalho
a posição social
questionam as escolhas que
foram, um dia, pessoais
não existe
vida privada
pra quem tem muito mais que
um corpo
violado.

não são monstros, nem loucos
são gente de carne, osso
e gozo que se impõe
porque sabem, perversos
que saem impunes
e inteiros
enquanto esperam que as vidas
violadas
se refaçam
de pernas fechadas, de boca calada
carregando no ventre
o filho do estupro
em resignação à fé
que eles ensinam
a quem nasce mulher.

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