Três poemas de Álvaro Assis

Revista Contexto
Revista Contexto
Published in
2 min readOct 11, 2020
Natureza Morta: Maçãs sobre Toalha Cor-de-rosa - Henri Matisse, 1922 (óleo sobre tela)

Há um muro que à frente se amontoa

Uma parede sem portas e janelas

Um sepulcro lacrado sem arestas

Contra isso, um homem pré-moldado

Sem vergalhões, embora a ferrugem

Deixou de imaginar o túnel, deixou de imaginar as trepadeiras, deixou…

Está lá e pronto, sem picareta, sem ponteiro

Não anseia desenhar com tijolo um ponto de fuga

Ou fazer corda de lençóis

Tem apenas uns poucos pregos no bolso e a testa como martelo

Quanto mais se aproxima, mais o muro cresce

Quanto mais se distancia, tanto mais as pernas se conformam.

Acordamos sem atmosfera

Negociando metros cúbicos de ar

Com máscaras a conter a empáfia

Imaginando bolhas como imensos úteros

A acolher nossas desumanidades

E as vaidades despencam feito asteróides

Sobre igrejas (que são apenas naves vazias)

Encostadas num canto feito esteiras ergométricas.

Sinto sede

E com a fome de cem crianças etíopes

Namoro uma maçã do outro lado do rio

Há um barco (que já vai afundando)

Com dois remos canhotos e puídos

Se resolvo nadar, remexo a água, que se turva

E a sede continua…

Parece que há também uns frutos no barco

Mas se o alcanço, ele submerge

E a água se turva

E a sede e a fome continuam.

--

--