Três poemas de Zeh Gustavo
DESVIDA: CENA EM SÉRIE
Uma esfinge guarda a casa,
à sombra solta de cada porta
sem saída.
.
Corta para as máquinas em atuação,
no exercício ciso de tornar impessoal o mundo.
.
Close nas capas, que choram
em suas próprias faces sem rostos.
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Fotografa-se um fogo farto dependurado
em fios quase invisíveis, que suportam
as redessocis.
.
A cena vai se desenrolando, sem personagens humanas,
conforme rendas que invocam o desempenho
de espelhos vagos, porém válidos para atores
deste mundo especial em construção.
.
Os ocos vestem suas máscaras. Seus semblantes
sorriem de soslaio acobertando fantasmas levados
à forca.
.
O filme não cessa, entra em looping.
A cena vai se fechando, sem personagens humanas,
até que ossos finalmente se movem.
.
Em meio ao sem-fim daquele nada,
um último pano se ergue, desvelando
as carnes, todas elas mortas,
vivas, mortas, vivas, mortas.
tentam justificar o massacre
advogam pelo hediondo
têm orgulho da própria estultice
jamais desenvolvem empatia
– e tampouco, ao horror, o mínimo que seja de asco
.
como você pode ter tanta certeza que a Terra não é plana?
precisaria ver o contexto da foto para emitir minha opinião
mas os dois lados estão errados
mimimi racismo
fez por merecer
.
em suma, após a vergonha escoar
íntegra pelo sumidouro
pode-se entoar qualquer asneira
defender-se a tortura
apagar-se a memória a arte a ciência
à tonteira apegar-se
regurgitar-se com riso baboso
o que vier da latrina à boca:
.
tá na moda ser um canalhinha.
na solitude extrema
do exílio
ou processo de perda
do si-solo-self
pede socorro em silêncio
no anseio de que haverá algum ser
imaginário de afeto
a lhe fomentar abrigo
abraço
daí age:
enlaça o dia como noite sem brilho
e parte, parindo germes
em forma de arte
quando até andar à rua
já não oferece aos pés afagos
somente riscos.