Os “Carrões” valem a pena?

Anna Clara Lôbo
Anna Clara Reis Lôbo
5 min readOct 1, 2020

Por Anna Clara Lôbo

Não é novidade que, diariamente, vemos carros de todo os tipos, modelos e estilos passando pelas cidades. E não é diferente em Vitória da Conquista, BA. O perfil dos compradores dessas máquinas cheias de controles e, por vezes, de difícil aprendizado, diferencia bastante. E modelos que estão sendo mensalmente e anualmente modificados para o consumo de amantes desses carros transforma esse mercado em um sonho do cidadão.

Ao conversar com Edilson Pontes Chaves, empresário e sócio administrador da concessionária CityCar Veículos, desvendamos um pouco do perfil de quem compra esses carros. O empresário, sentado em sua mesa em uma sala repleta de miniaturas de carros, falou com simpatia e tom de voz agradável. Pela concessionária ter uma variedade de carros mais caros, a caminhonete é o que mais vende, mas a maioria exibida lá são carros importados. As pessoas que compram esses veículos acabam sendo empresários e cidadãos com um maior poder aquisitivo, mas Edilson diz que “você não pode ir pela aparência de jeito nenhum, subestimar ninguém” quando cita que pessoas de fora, da Caatinga, chegam para comprar carros e, muitas vezes, compram um carro de 100 até 150 mil à vista. Mas também acontece o contrário. Por vezes chega alguém com uma aparência de “ricona” como citado por Edilson, mas que não tem nada, quer financiar até o emplacamento do carro, e, mergulhado em dívidas, o cadastro da pessoa é recusado pelo sistema automaticamente.

Ao passar pela loja vemos carros chiques, importados e de alto escalão, que brilham e chamam atenção com sua moldura mais despojada, quase afiada, pronta para cortar o vento com motores potentes. O mais caro na loja é uma Mercedes GLA 400, que custa 350 mil reais, preço que passa longe da capacidade do trabalhador médio brasileiro. “É um carro diferenciado, né. Você vende 1, 2 por mês, no máximo” Edilson conta, acrescentando que por mais que esteja fora da realidade da maioria das pessoas, existe público para tudo. A CityCar vende, em média, 20 carros mensalmente, e sua faixa média fica nos 70 mil reais, diferente das concessionárias mais populares.

Mesmo que exista público para os carros importados, a crise que chegou em 2014 atingiu com força os empresários, e Edilson conta que boa parte das pessoas voltam para trocar um carro mais caro por um mais barato, conseguindo dinheiro em troca, “É o que a gente chama de troca com troco”, ele diz. Ainda assim, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), feita em setembro de 2018, diz que o endividamento por financiamento de carros é o terceiro maior (10,2%), ficando atrás apenas de endividamento por cartão de crédito (76,7%) e carnês (14,6%).

Contudo, o brasileiro ainda tem o sonho de ter um carro. Ao ser questionado sobre a quantidade de pessoas que se endividam para ter um veículo, Edilson diz que cerca de 20% dessas pessoas se encaixam nesse padrão. “É um desejo, né. Todo mundo tem. Depois da casa própria, acho que o maior desejo é um carro.”

Já Iuri Amaral, Sócio Administrador da concessionária Aky Veículos, nos conta uma história distinta pela sua percepção diferente de mercado, uma vez que a loja conta com carros mais populares. Iuri já é mais concentrado e tímido, com um ar mais desafiador e que necessita uma conversa mais longa para se soltar, porém, ele conta um pouco dos carros e das maneiras em que as pessoas pagam por eles. Cerca de 80 a 90% dos carros são financiados ou por meio de consórcio, o que comprova a pesquisa citada anteriormente, a Peic, onde o endividamento por financiamento de carros é o terceiro maior entre os brasileiros.

Os carros mais vendidos pela Aky Veículos são o Fiat Strada, Toyota Corolla e o Hyundai HB20, e as palavras dele refletem no que vemos diariamente nas ruas. Quem nunca viu, no mínimo, cerca de cinco a dez HB20’s transitando pela rua na sua rotina? Mas existe também o período de sazonalidade, majoritariamente nos meses de janeiro, dezembro e junho. Isso acontece porque o cidadão aproveita o período de férias e de decimo terceiro para atualizar não só a vida, como também o status social, “todo mundo quer viajar num carro novo”, diz Iuri, estudando e analisando, sem perceber, o perfil moldado das pessoas de quererem sempre estar com objetos materiais novos que o deixem com uma alta relevância dentro dos seus círculos sociais.

Iuri diz não saber o perfil de quem compra os carros, mas que por vezes liga no que chama de período de pós venda, para saber como estão com as coisas com o carro e se está dando tudo certo, mas ainda assim é difícil dizer qual o nível social de quem está comprando. Por vezes ele lida com clientes que dividem o financiamento de um carro de 100 mil em quarenta e oito vezes, dando cerca de três a três mil e quinhentos reais por mês. As vezes o consumidor não quer nem saber o custo final do automóvel, apenas se a parcela encaixa no orçamento.

Mas nem sempre os vendedores lidam com clientes sutis e vendas pacíficas. Rafael Rocha Moreira, vendedor na SporCar Automóveis, nos conta que já passou por algumas situações de dar arrepios na espinha. Trajando um casaco preto, ele conta com cautela sobre uma situação que viveu em uma de suas vendas, onde um cigano chegou com um Fiat Uno e trocou o carro por um Volkswagen Fox Prata, o homem em questão pagou 22 mil reais a vista e dias depois chegou para devolver o carro com uma desculpa qualquer. Mais alguns dias depois outro funcionário da loja descobriu em um site de notícias que o mesmo carro havia sido usado em um assalto que envolveu a morte de um policial. O cigano voltou armado na concessionária para ameaçar os vendedores, que eles não poderiam falar nada sobre a venda, mas a polícia nunca chegou a averiguar informações sobre o carro, e os vendedores não procuraram a polícia devido ao medo. “Os ciganos pagam à vista, mas só dão problema” Rafael acrescentou.

Com um breve aviso de que estava envergonhado ao falar aquilo, o vendedor conta que a forma que a loja ganha mais dinheiro é por meio de pessoas que se endividam para comprar, com o intuito de manter as aparências na cidade. Mas é assim que funciona. Nunca pensamos o que existe por trás dos carros de alto porte que passam desfilando pelas avenidas da cidade, ou se pensamos, é algo próximo de uma vontade de viver a vida que a pessoa leva para ter a capacidade de comprar um carro tão caro quanto aquele. Mas as vezes, as aparências vêm com consequências.

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Anna Clara Lôbo
Anna Clara Reis Lôbo

Jornalista que se apaixonou pela área de experiência do usuário.