Revista de Padrões de Informação e Interoperabilidade em Saúde

HL7, SNOMED, CID, LOINC, openEHR e outros. Editor-chefe: Renato M.E. Sabbatini, PhD, FAMIA, FACMI, FIAHSI.

Interoperabilidade é Apenas Uma Linguagem

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Muita gente tem dificuldade de entender o que é interoperabilidade entre sistemas de informação em saúde, mas é simples! É uma forma de linguagem, entenda como.

Renato M.E. Sabbatini, PhD, FACMI, FIAHSI

Interoperabilidade é a habilidade de dois ou mais sistemas ou componentes de trocar informações (a interoperabilidade funcional), usar essas informações que foram trocadas (interoperabilidade semântica), e como realizar essa troca (interoperabilidade operacional). Sua implementação completa é algo fundamental em todos os sistemas digitais de informação em saúde que não existem isoladamente.

A forma mais aceita e prática de realizar a troca de informações é através de mensagens, como ocorre com os padrões Health Level Seven (HL7).

Mas o que é uma mensagem de interoperabilidade?

Para entender, melhor, imaginem que um médico, atendendo no ambulatório de um hospital, solicita a um laboratório clínico externo um exame de sangue. Como os dois sistemas não são integrados, a solução é o PEP (onde é feita a solicitação) compor e enviar uma mensagem padronizada para o sistema do laboratório (LIS) pela Internet. Essa mensagem deve conter os dados do paciente, do médico solicitante, e do exame solicitado (por exemplo, uma dosagem de colesterol total), etc.

Figura 1: Modelo conceitual do canal de comunicação (Autor)

A teoria geral de comunicação nos diz quais são esses os componentes básicos de uma mensagem (com seus respectivos exemplos).

  • Emissor: quem ou o que produz a mensagem para a enviar para o receptor. Ex.: o Prontuário Eletrônico do Paciente em um hospital;
  • Receptor: quem recebe a mensagem, a processa e age sobre ela. Ex.: o LIS do laboratório de análises clínicas;
  • Referência: o tema da mensagem. Ex.: o pedido de exames de colesterol feito pelo clínico;
  • Contexto: o ambiente ou aplicação onde ocorre a comunicação. Ex.: na atenção hospitalar ambulatorial;
  • Léxica: são as palavras (vocabulário) e suas classes (substantivos, adjetivos, verbos, modificadores, etc.). Ex.: os vários campos de dados que fazem parte do formulário de pedido;
  • Sintaxe: como as palavras são combinadas e coordenadas (frases verbais, sentenças, parágrafos). Ex.: Modelos de dados contendo os recursos e combinações variáveis, opções, etc.;
  • Semântica: o significado das palavras, próprias e dependentes do contexto e combinações. Ex.: os valores a serem informados nos campos e sua estrutura e conteúdo;
  • Código: a linguagem utilizada, codificações formais, vinculação às palavras. Ex.: as tabelas de domínio, terminologias internas e externas, como CID 10, LOINC, TUSS, etc.;
  • Canal: o meio pelo qual a mensagem é transmitida. Ex.: os webservices da operadora e do laboratórios externo;
  • Feedback/Resposta: a mensagem enviada pelo receptor ao emissor. Ex.: mensagens de recebimento, erro, etc.
  • Ruído: Interferências de todo tipo que podem afetar a mensagem.

Cada um dos sistemas (PEP e LIS) foi desenvolvido por diferentes empresas ou instituições, de maneira peculiar para cada uma, o que impede uma interoperabilidade direta, entre seus bancos de dados. Por exemplo, no PEP o nome do exame poderia ser nome_exame, e no LIS pode ser tip_exam. O conteúdo do nome_exame poderia ser COLESTEROL_TOTAL, e o conteúdo do tip_exam poderia ser COLTOT. Não há como eles se entenderem, certo? É como se um sistema fosse uma pessoa que só sabe húngaro, e o outro sistema fosse uma pessoa que só fala chinês!

O que é preciso fazer, então? Nessa pequena metáfora de idiomas humanos reais, obviamente será necessário contratar os serviços de um intérprete que saiba húngaro e chinês, e traduza a mensagem do sistema A para o sistema B, e vice-versa! Não interessa qual é o idioma que o nosso intérprete fala nativamente, mas ele certamentetem uma representação mental nesse idioma (por exemplo, português, então ele converte o húngaro para o português e o português para o chinês. O português, então, é uma interlíngua, ou linguagem intermediária!

Pois bem, as mensagens em HL7, qualquer que seja a versão, são criadas exatamente como uma interlíngua, com léxica, sintaxe, semântica, etc. de um intérprete, e que são definidos de forma totalmente livre das ambiguidades típicas das linguagens naturais. Veja a seguir o diagrama que eu fiz para você entender, desta vez pegando um exemplo de medida de pressão arterial:

Figura 2: O que é uma interlíngua em uma comunicação

O conceito aqui é “pressão arterial sistêmica sistólica” (em português natural, na cabeça do intérprete). O padrão de mensagens em HL7 FHIR (nossa interlíngua que vamos usar, que significa Fast Health Interoperability Resources), a expressa em uma notação formal chamada JSON (Java Script Object Notation, um texto simples), apenas descreve o sistema de codificação que vamos usar (no caso, LOINC, que quer dizer Logical Observation Identifiers Names and Codes), ou seja, um vocabulário codificado, ou terminologia fechada, para expressar termos referentes a exames e dados clínicos. A declaração HL7 FHIR em JSON precisa apenas explicitar que o campo é codificado (“code”), que o sistema terminológico a ser usado (“coding”) é o “system” LOINC, por sua vez referenciado com uma URL (http://loinc.org), e o termo tem o código 8480–6.

O comunicador emissor (com a frase em húngaro) pesquisa o termo no servidor de terminologia na nuvem (LOINC) usando uma tecnologia chamada REST (Representional State Transfer), e após obter o código correspondente, gera internamente essa declaração em FHIR (que na realidade está dentro de uma mensagem bem maior, que não interessa explicarmos aqui), e a envia por um canal, como a WWW, para o comunicador receptor (chinês), que por sua vez entende a mensagem em FHIR e o converte para seu idioma, usando a referência de codificação e o código. A sintaxe é padronizada!

Notem que a mensagem em FHIR não diz nada sobre a estrutura interna e demais propriedades do código usado, mas elas podem ser obtidas no servidor de terminologias: https://loinc.org/8480-6/

Figura 3: Registro de um termo na ontologia/terminologia LOINC

Lá, no servidor de LOINC na Web, caso o PEP do hospital ou o LIS do laboratório precisem incluir na mensagem ou no resultado, é possível obter de forma legível pelo computador, e de forma padronizada pela terminologia, dados adicionais sobre o exame ou dado vital, tais como componente, propriedade, escala de tempo, sistema orgânico, escala de medica (Qn: quantitativa), método utilizado para a medida, unidade de medida (ex.: milímetros de mercúrio, grafado como mmHg, que também é definido por outro padrão internacional, chamado UCUM, ou Unified Code for Units of Measurement). Poderia também especificar a faixa de normalidade.

Além disso, em outras partes da mensagem, devem ser fornecidas informações sobre o contexto, para fins de interpretação da variável vital (no caso, sexo e idade do paciente, se foi a PA foi medida no braço direito ou esquerdo, se o paciente estava em pé, sentado, deitado ou inclinado, se ele estava em repouso ou tinha feito algum esforço físico, ou dormindo. etc.

Todas essas propriedades são chamadas de pós-coordenação e são essenciais para que a informação gerada (solicitada) pelo PEP seja exatamente a que será medida e fornecida. Mas, para ser interpretada corretamente, o PEP precisa coletar outras informações do contexto.

Ao conjunto do termo, suas informações de pós-coordenação, e de contexto, chamamos de arquétipo, que é um modelo de referência de informação (RIM, em inglês). No exemplo abaixo, usamos um Sistema de Gerenciamento de Conhecimento Clínico chamado openEHR, que é um modelo aberto de definição de arquétipos para registros eletrônicos de saúde (Electronic Health Records). Ele é o sistema ideal para a modelagem de dados em sistemas eletrônicos! Na figura abaixo você pode ver o registro no CKM (Clinical Knowledge Manager) do conceito de Pressão Arterial. A imagem é de um Mind Map (mapa mental), mas ele também tem a definição em JSON, XML e uma linguagem especializada chamada ADL (Archetype Definition Language).

Figura 4: Registro de um arquétipo de pressão arterial no openEHR CKM

Assim, concluímos que apenas usar o padrão de mensagem (no caso, FHIR) não é suficiente. e que não é possível implementar completamente a interoperabilidade . só com mensagens. É preciso utilizar um RIM como bases, ou Reference Information Model. O HL7 tem um RIM, que pode ser usado pelo FHIR, e que na realidade funciona como uma rede semântica.

Para Saber Mais

Sobre o Autor

O Prof. Renato Marcos Endrizzi Sabbatini é um dos pioneiros na área de padrões de informação em saúde e interoperabilidade, tendo sido membro fundador e atual vice-presidente e diretor de educação e capacitação profissional do Instituto HL7 Brasil, a afiliada brasileira da HL7 International, da qual participa como representante nacional. Atualmente é professor de informática em saúde e telessaúde em várias universidades e institutos de ensino, e renomado consultor de desenvolvimento e certificação de segurança, qualidade e interoperabilidade de sistemas de informação em saúde. Contato: renato@sabbatini.com

Copyright © 2022 by Renato Marcos Endrizzi Sabbatini.

Como Citar Este Artigo

Sabbatini, Renato M.E.: Interoperabilidade é Apenas Uma Linguagem. Revista de Padrões de Informação e Interoperabilidade em Saúde. Medium. Publicado em 1 de abril de 2022. Disponível na Internet. URL: https://link.medium.com/YnkDiYzYSob

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Renato Marcos Endrizzi Sabbatini, PhD
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Written by Renato Marcos Endrizzi Sabbatini, PhD

Brazilian biomedical and computer scientist, PhD, science and history popularizer, scientist, professor, entrepreneur and consultant

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