A poética de Guilherme Giesta Figueiredo

ano II: ensaio
ano II: ensaio
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3 min readNov 5, 2021

[CINE MONTE LÍBANO]

Há um cinema a vinte passos de minha casa.
Há uns quarenta anos está abandonado.
Mil e duzentos lugares.
Nele, meu tio assistiu a um filme do monstro Gorgo.
Gorgo destrói Londres.
O tempo destruiu o cinema,
Destruiu Gorgo,
As memórias venceram.

[SUCESSO]

Quando eu for um escritor vou dar opiniões mais importantes,
Quando eu for um escritor vou ao cinema sozinho,
Quando eu for um escritor vou tomar café da tarde sempre na mesma cafeteria,
Quando eu for um escritor vou namorar uma atriz de teatro,
Quando eu for escritor vou ouvir discos de vinil,
Quando eu for escritor vou morar a duas quadras da praia,
Quando eu for escritor vou achar tudo desinteressante,

E então numa conversa de elevador do qual eu acabei de sair, duas senhoras de meia idade fofocarão: “Como é estranho esse rapaz… Dizem por aí que ele é escritor…”

[VELÓRIO]

Quincas morreu
Na esquina
De cabeça na quina
Na esquina
Onde o cão morde o rabo
Onde passa o rato
Onde compram o pão
Quincas morreu…
Quinquagésima morte esse ano

[ONDE HABITO]

Gotejamento de canos quebrados
Colunas rachadas
Azulejos estufados
Pisos escancarados
Tintas descascadas
Portas arrombadas
Janelas trincadas
Mobília bagunçada
Gotejamento de pulsos abertos
Colunas tortas
Pele esfolada
Pés dormentes
Músculos exaustos
Dentes podres
Olhos tristes
Coração bagunçado

[POEMA DA GRATIDÃO]

Te tenho como quem tem o ar
Grito alto pois sou grato
Grato pelos grifos que me marcam

Grato pelo sono que me fez
E pelo dia que me reluz
Grato pelo toque de ontem
E pelo aconchego de hoje

Sou grato por ti e por mim
Sou grato pelas roupas deixadas na sala

Minha gratidão vai além
Não te tenho como sentimento só
Te tenho nas memórias, que um dia irão
No olhar, que um dia te chorou
E no peito, em que te guardo

Gratidão, te tenho como quem tem o ar.

[RAIZ]

Sorriu pra mim,
Sinceridade estampada nos lábios.
Olhou pra mim,
Queria me dizer mais e os olhos gritaram.

Rimou com suas palavras,
Limpou minha mente com sua voz.

Dançou nos meus sonhos.
Dormiu nos meus braços.
Acordou e foi viver.
Voltou com a flor de laranjeira na boca.
Com um beijo doce e ácido me deu o bom dia que eu precisava
Enraizou seus dedos no meu cabelo e a flor desabrochou num jardim de memórias.

[BULIMIA]

Com dois dedos de prosa,
Enfio garganta abaixo,
Vomito um punho inteiro de versos ácidos que corroem meus dentes e minhas páginas.

[A QUEDA DO IMPÉRIO]

⠀ ⠀ ⠀ ⠀Escrever é um ato bárbaro
⠀ ⠀Você começa em um lado do papel
⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀ ⠀⠀ E nunca sabe
⠀ ⠀ ⠀ O que vai sair do outro lado,
Desbravar a inóspita folha é para poucos…
⠀Somos ostrogodos de caneta na mão…

Guilherme Giesta Figueiredo nasceu em 1997, é escritor, educador e formado em História pela Universidade Federal Fluminense. Estreou na poesia em 2015 escrevendo despretensiosamente. Em 2020 lançou seu primeiro livro, Trópico de Capricórnio (Luva Editora). Atualmente continua escrevendo e expandindo seus sentimentos para outras artes.

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