Crônicas da literatura brasileira
Por Diego Perez
Queriam muito Pedrinho, sobrinho de Pedrão, na ABL, mesmo Pedrinho nunca tendo produzido uma única pagina que fosse digna de nota literária. Reunidos em concílio, então, os membros da entidade acharam uma solução: nada impedia que Pedrinho se desse como autor de obras em domínio público da mais alta qualidade para estar ele próprio qualificado para o cargo de imortal.
Do dia para noite, assim, Pedrinho virou autor de Édipo Rei, Dom Quixote, Otelo e, para que não faltasse tons nacionais entre suas peças universais, algo de Alencar e uma pitada de Vieira.
A vitória de Pedrinho, em votação unânime, repercutiu em todos os veículos de comunicação do país. Pedrinho, autor de Quixote, finalmente via sua obra inescapável coroada com a entrada na ABL. Além da honraria, davam como certa a sua conquista no Prêmio São Paulo, Jabuti e Oceanos (assim como já especulavam o Pulitzer, Booker Man e Nobel) e, pela ousadia de sua performance “não só literária como também artística”, também anunciavam que uma cadeira lhe era oferecida na igualmente respeitada Academia Brasileira de Arte aos serviços prestados à arte nacional.
“Pedrinho é a cara da literatura brasileira”, fechava a nota de seu ingresso à ABL.
Descontente com o contexto abismal da literatura brasileira contemporânea — onde já se viu dar prêmios a um fajuto como Pedrinho, seu desafeto desde o colégio São Bento? -, Mario resolveu soltar todo o seu veneno contra as pífias instituições nacionais em sua coluna semanal.
Terminada a escrita da diatribe, Mario, no entanto, hesitou: ao atirar contra seus adversários que pululam indiscriminadamente entre as listas e nomeações literárias, estaria realmente disposto a acertar, por equívoco, em seus padrinhos e mais afeiçoados colegas de profissão? A solução foi assinar a nota sob o misterioso pseudônimo de João, esse ácido personagem sem papas na língua azeitado aos tempos da política (literária) atual.
Com a sorte lançada, o texto de João causou um reboliço danado, circulando da FLIP ao ZAP e se arrastando por meses entre as línguas letradas.
Envaidecido pelo sucesso, Mario se revelou, numa quarta-feira inspirada, como o verdadeiro autor da nota: “Que entreguem os louros a quem deve ser lourado”. Mas quem não gostou nada dessa história foi o fictício João que assim que pode entrou com um processo contra Mario por quebra do contrato de ghostwriter e indevida reivindicação de propriedade intelectual.
A imprensa nacional logo viu no processo a maior obra literária dos últimos anos e em poucos meses a ambos seriam oferecidas cadeiras na ABL. Dizem as más línguas, contudo, que durante as reuniões que definem os rumos da literatura nacional, os agora imortais da literatura brasileira pouco se bicam.
Diego Perez é doutorando em Letras Neolatinas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, editor-chefe da revista ano II: ensaio, curador da MAGzine e autor dos zines “Viçosa” (2020) e “IDEIAFIXA” (2021). Também pode ser encontrado em seu Instagram.