Elena Ferrante: um convite ao exercício crítico

Série: Elena Ferrante

ano II: ensaio
ano II: ensaio
3 min readAug 2, 2021

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Dentre os fenômenos literários mais celebrados e lidos atualmente, temos a obra da italiana Elena Ferrante, uma escritora (ou escritor) anônimo que conseguiu desafiar alguns limites impostos pela Literatura até então: a escolha de uma autoria preservada em plena era das redes sociais e a produção de uma literatura best-seller e com apelo comercial que se propõe a debater questões muito profundas. Dentre seus livros mais celebrados são a Tetralogia Napolitana (Biblioteca Azul, 2011–2014), Um Amor Incômodo (Intrínseca, 2017) e A Filha Perdida (Intrínseca, 2016)

A Febre Ferrante, como ficou conhecido o movimento em torno da obra da autora, é uma influência direta na forma como entendemos e produzimos literatura hoje — raros são os veículos, Instagrams literários e autores que não tragam alguma reflexão ou impressão sobre os livros da italiana — ou, ainda, sobre a sua decisão de se manter anônima, questão investigada, de maneira um tanto quanto invasiva, pelo repórter Claudio Gatti em 2016.

Elena Ferrante mostra um caminho para a escrita que se distancia da “literatura do eu” e de uma produção que não é, à primeira vista, desafiadora em termos técnicos ou estilísticos, ainda que as temáticas apresentadas partam de contextos muito particulares — a amizade entre duas meninas na década de 50; o “enlouquecimento” progressivo de uma mulher abandonada e a caótica relação entre mães e filhas. Em quase todas as narrativas, ainda, o pano de fundo é a cidade de Nápoles, escancarada em sua pobreza suja e rude.

Apesar disso, Ferrante consegue conciliar o contexto social ao universo particular de suas personagens, trabalhando em cima de uma literatura que pode ser entendida como investigativa acerca da condição da mulher a partir de uma tessitura fortemente psicanalítica, que se debruça à figura da mãe, à repressão psíquica e, principalmente, à sustentação e fragmentação do Desejo. Tratam-se de histórias que se espalham em suas roupagens, podendo representar narrativas que têm a possibilidade de se estender a qualquer leitora, algo que pode ser realçado, ainda, pelo próprio anonimato da autora.

Compreendo, assim, que a italiana tem um propósito que muitas vezes se mostra como formador e emancipador em sua literatura, nos convidando a entrarmos em contato com reflexões críticas ao colocar o sujeito e o mundo como intermitentes. Por isso, Ferrante consegue estabelecer dialogicidade — uma literatura acessível que traz recursos para que elaboremos o nosso próprio entorno. E este é um impacto muito poderoso na vida de um leitor, já que o coloca fora de sua zona de conforto. Foi o que aconteceu comigo e, creio, com milhares de outres leitores por aí, o que, talvez, possa explicar a Febre Ferrante.

Neste mês de Agosto, nos propomos a pensar sobre as vicissitudes que acompanham Elena Ferrante, em toda a sua complexidade. Afinal, o que é a experiência de ler os livros da autora? O que nos é colocado? Qual é a relevância de sua literatura? O que existe no anonimato de Elena Ferrante? No que isso muda a nossa leitura?

Laura Redfern Navarro
Editora

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