PEDRA

Lucca Tartaglia
ano II: ensaio

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À beira da calçada,

o velho chorava e chorava

com o rosto enterrado entre as mãos, balançando, para frente e para trás, o corpo — como se ninasse, de cócoras, o próprio sofrimento. Que foi? Ela disse.

Disse?

Disse

e o homem, como se abrisse um livro, estendeu a palma: havia, dentro, uma pedra miúda. A moça não entendeu. Que foi? Ela pensou que alguém havia apedrejado aquele homem. Eu pensei que o tivessem apedrejado. Jogaram no senhor? Ela disse

e o rosto, banhado de dor, não se moveu. As mãos se aproximaram. Agora, mais de perto, a moça notou que, sobre a pele rochosa, havia um parto, uma rachadura, uma fissura discreta, quase imperceptível,

mas profunda.

Observou, desconcertada, por alguns instantes, o olhar fixo e vermelho da criatura. Voltou a olhar para a pedra. Voltou a olhar e, num engasgo de surpresa, percebeu que não era uma pedra — ou, se era, não se parecia com as demais — porque tinha pernas, minúsculas pernas laterais, como um inseto, e respirava, muito devagar, feito um animal pequeno e ferido,

um bicho à beira da morte.

Alguma coisa, no seu interior, de certo, havia disparado. Uma voz, no fundo, ressoava: abandonar o velho, continuar, voltar para casa. O estômago dando cambalhotas. As pessoas passavam, cismadas, como se a mulher estivesse sozinha, como se fossem invisíveis, a pedra e o velho. Como se não estivessem ali? Como se não existissem!

Com zelo, tocou a carapaça ferida. O homem assentiu, com um gesto leve, discreto, e suspirou longamente. Em dois pontos específicos, uma tremura, muito débil e frágil, se anunciava. Eram pálpebras, pequenas pálpebras fechadas que tentavam alcançar, inutilmente, uma isca de luz. Apertou a vista com força, esfregou a cara, tentando desfazer a ilusão. Deve ser um delírio. Era uma ilusão? Não sei. Ela pensou que era uma ilusão. Eu pensei que fosse.

Os passantes, agora, já não torciam o nariz ao passar

e seguiam dizendo, sem dizer, não vejo, como quem diz, ao calar,

não quero.

A mulher, à margem do fluxo, com os olhos rasos d’água, via o desfile das sombras pela calçada e a figura que surgia se parecia com uma centopeia mecânica, um antro maquinal, calcada pela passagem das horas e afastada por uma espécie de vitral impossível. A massa caminhava feito escombro sobre a pele de um rio caudaloso e, por mais que tentasse, a mulher não conseguia tocar os corpos em fuga

nem o tronco moldado a golpes de machado sem fio

nem a criança que, desconfiada, olhou para o nada,

para o vazio,

e viu o que não estava lá — um senhor, a pedra que não era pedra, a dor da mulher que olhava.

Sentou-se, por fim, à beira do velho,

sem entender o porquê,

e chorou

desesperada

pela morte do animal.

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Lucca Tartaglia
ano II: ensaio

Escrevinhador e colaborador das revistas FORPROLL, Contemporartes e Ano I: Ensaios.