Ode a um caderno de notas e outros plágios

Por Carlos Castelo

ano II: ensaio
ano II: ensaio
2 min readJul 5, 2021

--

URBE

Viram o avião pilotando o comandante

A escada rolante humanizada

O táxi dirigindo o homem

Voltaram cheios de ideias ao campo

ZOO

Crocodilo de aquário

Em seu rio sem corrente

Navegando em círculos

No remanso da prisão

O mesmo medo líquido

Represado numa câmara

Onde cauda e água

Dente e mágoa

São elos da mesma

Contabilidade anfíbia

O terror da guerra

Virou doce calda

E caudalosamente

Ele nada de braçada

ODE A UM CADERNO DE NOTAS

O meu caderno de notas

Guarda sinfonias para os olhos

De tamanho mediano

É o bastante para caber

Uma vida e outros utensílios

Escolhi o de capa encarnada

Com filigranas negras irmãs

Das noites em que rascunho

Certas sensações térmicas

Vai sempre comigo, irmão gêmeo,

Violino seguindo o cigano

Como medir o valor desta página?

Notas não equivalem a cédulas

Só a cometas, besouros e pássaros pernaltas

Caderno, caneta, silêncio

Pausas de uma mesma estrofe

De manhã, as folhas são sacudidas pelo vento

Na madrugada viram flores de sílabas.

MACIEZ

Queria o colchão

Ortopédico

Ela, o de molas

Perdeu o páreo

Manhã dessas

Ela vazou

Ficou o corpo

Impresso na cama

NADA DE NOVO SOB O CÉU

Alguém já escreveu este verso

Talvez o poema inteiro

Há um bom tempo

Pior: escreveu melhor

O crítico já comentou

O resenhista já contemplou

O médium já transcreveu

Estava na Bíblia

No Bhagavad Gita

Nos apócrifos de um profeta

Por que então veio a mim

Insinuando-se no meio da noite

Tornando-me plagiário?

Para me fazer igual

Ao melhor dos iguais?

Carlos Castelo é ficcionista, compositor e epigramático. Escreve crônicas no Estadão e resenhas literárias na revista Bravo!. Atualmente publica seus poemas em Casteladas no ar

--

--