Poemas de cadernos antigos
Nos últimos dias, enquanto tirava as caixas da mudança que ainda não foram totalmente esvaziadas do meu quarto, encontrei um caderno de poesia que datava do ano de 2019. Não fazia muito tempo, mas eu havia mudado radicalmente desde então. Meus escritos, naquela época, eram menos expostos, mais secretivos. Às vezes sinto falta desse movimento de manter o que lapido a mim durante um certo período de tempo. Como uma flor em maturação. Em pandemia, porém, choco-me — é impossível não estar em contato durante vinte e quatro horas ao dia.
A minha poesia, à época, era recheada de ecos e silêncios que, apesar de eu ter achado muito astutos até então, hoje em dia eles parecem ter mudado o significado. Gosto dos cadernos porque eles nos acompanham mesmo que seus escritos, não. E também porque a voz permanece a mesma. A caligrafia muda. É interessante observar o movimento e ler aquelas coisas em voz alta, coisas que às vezes são obras primas e em outras, são ridículas.
Costumo achar que, antigamente, eu escrevia melhor. Não melhor, mas de forma mais pura e mais intimista, com menos refinamento e mais originalidade. Acho que é balela. Em 2019, eu ainda não tinha feito da poesia um modo de viver, apenas o mantinha como desabafo. Isto é, apesar de ser uma autora publicada desde já. As minhas contradições começam na raiz. Mas a verdade é que eu escrevia com o coração, era uma mulher desprovida de referências, alguém adentrando um campo de girassóis sem conhecer Orides Fontela, por exemplo.
Acabo pensando que as falhas sempre vão e vêm, que estamos destinados a escrever e a criticar. Eu vejo muito isso em Sylvia Plath, uma grande poeta que, em seus diários, revelava uma insegurança que transbordava. Hoje, acho que escrevo bem, e quero revisar os poemas malditos-simbolistas da Laura de cabelos cor de vinho tinto (sim, eu tinha os cabelos dessa cor) com os olhos ácidos de quem leu Maya Angelou, Sophia de Mello Breyner Andersen, Clarice Lispector e Matilde Campilho. Mas, ao mesmo tempo, como quem sente falta de fazer anotações como se estivesse montada num cavalo prestes a cair. Como se eu fosse Amy Winehouse com menos de um quinto de seu talento enquanto escrevia Back to Black, mais precisamente.
Fiz uma pequena seleção com base nos que mais me chamaram a atenção, e aí está. Voa, poema!
GÉLIDO (7/7/2019)
O vento se esgueira, uivando
dias que parecem durar
a eternidade, nuvens brancas
cor da paz? Silêncio
sem pombas
ao céu
.
o vento gélido conduz
pequenos lapsos bucólicos invernais
cheiro de grama
gosma infértil
.
a menina sardenta
sai de dentro do armário
amanhece, pequenos flocos
do céu
que caem, devo apanhá-los
aos poucos
SEM TÍTULO (14/7/2019)
Viajo
Milhares de milhas
verde à minha frente
tempo que se passou
uma lâmpada para ser rebobinada
que percorre os vincos do cérebro
tortura
aos poucos
neurose da atualidade
ÁGUA VIVA (7/8/2019, com edição do Rafael Tahan)
Mover as mãos sob o espelho
da beleza angustiante
gelada ou
histérica? Não:
a ponto de queimar alguém
ou de se queimar
questão de retroatividade
.
É preciso tolher as lentes
polir a fim de tatear o mundo
com maior facilidade
NARCISO (20/6/2019)
O homem que caça borboletas
também as esfola no asfalto
Desgosto do lago
que reflete ondas de si
e não a si próprio
é preciso destruir o que há de belo
no mundo
TAROT (5/10/2019)
Para Anna Clara de Vitto
.
O incenso aceso incendiado de
fumaça azul oblíqua e dissimulada
-azul que não se come
se aspira
cheiro do ópio-
.
Tiro as cartas com duas
facas em minhas mãos
que sangram o sangue de
todas as minhas indecisas veias
loucas para tomar partido
.
A Morte, ou a fuga
uma grande piada, diriam
vou atirar os meus Enamorados
ao mar e à indócil densa
água das garrafas de vodka