Porque eu leio literatura brasileira contemporânea

Por Lílian Miranda

ano II: ensaio
ano II: ensaio
4 min readMay 12, 2021

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Esse texto é uma resposta aberta ao texto do Fábio Alves, “Porque eu não leio literatura (contemporânea) brasileira”, publicado na edição de abril da ano II: ensaio.

São compreensíveis as colocações apresentadas pelo autor de “Porque eu não leio literatura (contemporânea) brasileira”, e imagino que já espere comentários o chamando de amargurado. Talvez seja a intenção passar essa imagem, afinal, ao pesquisar os títulos dos seus livros no Google não encontrei nenhum dos dois, porém longe de medir o valor literário de uma obra a partir da visibilidade que ela tem, ainda que acabe sendo um critério hora ou outra. Gostei bastante dos seus posicionamentos, são opiniões enriquecedoras para minha área de estudos e me fez refletir um pouco.

No contexto da América Latina podemos citar a teórica Josefina Ludmer que em seu texto “Literatura pós-autônoma” afirma que é possível dizer que o campo literário segundo Bourdieu já não existe mais, afinal todo cultural e literário é também econômico. Para ela ninguém foge ao capitalismo e por isso a teoria de campo estaria defasada. Acredito eu que a luta por espaço no campo literário sempre existiu e hoje, continua persistindo a partir de outras estratégias e agregando mais alguns elementos. O autor do texto enquanto escritor publicado se posiciona criticando as movimentações desse campo, talvez por conhecer a luta que é conseguir uma publicação sem desembolsar valores exorbitantes e se depara com um cenário em que ser publicado já não basta. Puxando um exemplo do comentário que uma leitora fez ao texto de Fábio, posso mencionar a autora Aline Bei. Em seu livro de estreia “O peso do pássaro morto” (2017), Bei movimenta várias estratégias para se inserir no campo literário e dessa forma consegue até mesmo um convite da Sorbonne Université e também o prêmio São Paulo de literatura para autores estreantes com menos de 40 anos em 2018. No mesmo ano, Cristina Judar também conseguiu o mesmo prêmio, porém na categoria de autores estreantes com mais de 40 anos. Essas subcategorias são quase desconexas, costumo rir quando lembro desse caso. E na categoria “Melhor livro do ano” a grande vencedora é a Ana Paula Maia, com “Assim na terra como embaixo da terra”. Não conheço a obra de Judar, mas entre Bei e Maia é possível reconhecer: nenhuma das duas autoras lançaram obras geniais mas conseguiram o que a maioria dos escritores de romance não conseguem. (Além do disputado reconhecimento, 200 mil em reais).

Aline Bei em seu percurso até a publicação passa justamente pelo processo que é citado no texto, ela tem o “QI” do Marcelino Freire e ganha a publicação a partir de uma oficina-concurso desenvolvida pelo próprio Freire. Em seguida não bastava ter um livro publicado, ela lança mão do artifício mais acessível para ela naquele momento: a internet e as redes sociais. Ela divulgava o próprio livro indo de chat em chat, tanto no Instagram quanto no Facebook, procurava pessoas que interagiam com posts sobre literatura. Achei um pouco inusitado quando recebi mensagem dela e acabei não respondendo realmente, mas curiosamente tempos depois acabei lendo um PDF do livro dela encontrado num grupo de Facebook — minha primeira impressão foi quase muito positiva, chorei demais — e mais tarde quando me interessei por pesquisar a trajetória dela descobri que essa estratégia deu resultados.

Além disso, a autora tenta inovar na forma e apela também para representatividade de gênero. Ela escreve uma prosa em versos, o que, a priori, causa um estranhamento que prende a atenção do leitor, mas com um olhar mais atento você percebe que não agrega muito no conteúdo da obra e nem no texto em si. Talvez consiga imprimir um ritmo melancólico na leitura em voz alta. Além disso, é um livro pobre em detalhes e retrata uma vida horrível de uma mulher que não é nomeada e só viveu infortúnios desde a infância até os 52 anos, quando o livro acaba. Bei aproveita vários assuntos que estão em foco na mídia e coloca na narrativa como forma de tocar o emocional de muitas pessoas, principalmente mulheres que estão atentas às redes sociais e envoltas nas pautas feministas. Dessa vez realizando o que Ludmer chama de “realidade fabricada”. A partir daí ela faz minicursos, promove oficinas, palestras, etc, etc…e agora consegue viver dessa carreira. Uma coisa que chama atenção também é o fato da autora não seguir aos estereótipos convencionais de escritor reservado, inacessível e acadêmico. O que confere certo destaque para a figura dela e consequentemente para seu livro.

Comentei tudo isso para dizer como a literatura contemporânea se comporta e merece sim uma atenção, ainda que seja para criticar de maneira pouco elogiosa na maioria das vezes. “Torto Arado” (2019), como apontado por Fábio, é realmente um ótimo livro, porém sim, cabem críticas a ele, e em vista do posicionamento do autor podemos identificar um pouco dessas tendências do campo em relação às pautas sociais. Com certeza “o pássaro” da Aline Bei não teve a mesma relevância e atenção que “Torto Arado” tem recebido, mas certamente gostaria de ver menos elogios à obra dela.

Finalmente, quanto às editoras independentes, não vejo tanto problema em se fechar em nichos, afinal, para “Subverter” a lógica de publicações que seguem editoras como Companhia das letras é necessário que comunidades que se identificam e se apoiam publiquem e divulguem autores que se alinham ao propósito da editora. Hoje temos editoras somente para escritores baianos, outras que só publicam escritores negros, editoras voltadas a pautas de gênero que publicam mulheres exclusivamente ou àquelas que se ocupam de dar visibilidade à escritores indígenas e certamente isso é uma possibilidade dentre as disponíveis no mercado literário.

Lílian Miranda é graduanda em Licenciatura em Letras Vernáculas na Universidade Federal da Bahia (UFBA). É bolsista de iniciação científica (CNPq) e desenvolve pesquisa investigando os conceitos de curadoria e arquivo na obra Um defeito de cor de Ana Maria Gonçalves.

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