O desempregado e a puta virgem

Jorge Rocha
Revista Fired
Published in
4 min readMay 1, 2015

Por Edgard Reymann

Me chame Less. Job Less. Me chame Steve. Aliás, me chame, porque estou desempregado. Acordei hoje pela manhã e vi que tinha algo errado quando o celular não me deu bom dia. Liguei o computador e simplesmente eu não tinha mais ID, IP, PQP, VTC porra nenhuma. Meu computador all in one, sem torre, não era mais útil nem potente do que um TK-85. A torre caiu, pensei. E estou sem identidade virtual. De que adianta ser de carne e osso, se não posso me conectar? Se não posso tc com alguém? Sou virtualmente inexistente.

Também sou supercriativo, adoro fazer coisas que beneficiem as grande maioria da população a preços módicos — o problema é o custo país e o custo patrão, que encarecem as coisas e permitem a concorrência me superar. Sei que sou um gênio, mas fico com uma merreca porque vendi toda a minha criatividade, por contrato, pro patrão. Se ao menos tivesse feito um contrato com o diabo, teria fama, mulher e dinheiro. Joguei fora a fase áurea da minha vida, quando meus maiores inventos bombaram no mercado e eu continuei com meu salarinho, sem sequer ganhar reconhecimento pelos grandes avanços que a sociedade conseguiu por meu intermédio.

Aquele cara lá do hemisfério norte inventou um telefone com teclado virtual, sensível ao toque da tela e tudo mais. Antes já havia inventado uma engenhoca que tocava música sem a necessidade de um dispositivo físico. Não, era tudo ali dentro de um chip com super memória. Eu tinha ido mais longe, e juntei as duas coisas num aparelhinho só. Foi um sucesso, que ele logo copiou e ainda depois juntou uma câmera fotografica, que era um projeto meu também.

Mas começaram a falar mal de mim e do meu i-Phod (este era o nome dele), porque, toda vez que alguns cornos queriam falar com suas mulheres, ou o sinal dava ocupado ou elas diziam não ouvir. Depois, algum energúmeno — também corno, claro — começou a dizer que a produtividade das mulheres nas empresas ia de mal a pior. Rumores davam conta que elas andavam escondendo seus aparelhos móveis em formato de batom (design meu, claro), em lugares não visíveis ao olho da chefia. Uma sacanagem. Eu inventei o aparelho porque sabia que ele poderia ser acomodado em qualquer lugar, de preferência longe do alcance da bandidagem que abunda nas metrópoles!

Tudo bem, o aparelho só tinha vibra-call, mas como eu disse, aparelhos discretos não deveriam ter sons, nem deveriam fazer download de excrescências como a trilha de Tropa de Elite, chamada a cobrar ou músicas da Beyoncé. Nas rodas evangélicas, eu me transformei em inventor do demônio, o cara que incentivava a prática da cybersodomia entre as fiéis, que costumeiramente preservam a intocabilidade de suas pudendas reprodutoras, cedendo campinho adjacente aos anseios dos fiéis companheiros de catecismo. Ah, se o pastor das ovelhinhas desgarradas Carlos Zéfiro estivesse vivo hoje…

Uma infâmia! A coisa ficou mais feia para o meu lado quando um jornal sensacionalista disse que o celular de uma fiel foi irremediavelmente alçado às profundezas de suas entranhas por causa de um namorado que, em sua afobação, teria avançado sobre a moça, antes que ela pudesse ter tirado a engenhoca de seu lança-chamas. Ah, essa imprensa.

Só sei que caí em desgraça e o patrão me defecou da empresa, como se eu fosse um .dll suspeito atrapalhando o andamento do computador. Na hora, ele foi gentil, riu de toda a história, mas me deletou alegando reformulação na empresa. Estavam procurando alguém com um perfil “mais júnior” para assumir o meu cargo. Entendi tudo. Sei que não será fácil, para ele, conseguir alguém com minha experiência assim tão jovem. Como não foi fácil, para mim, atendê-lo, quando ele um dia me confidenciou que estava querendo uma garota especial, que fosse uma safada na cama e não reclamasse de nada.

Achei barbada, enquanto ele idealizava sua futura musa. O fato de que ela também tivesse que ser virgem, na hora, passou despercebido. Também não havia me tocado quando ele falou com cara de tristeza que o meu perfil sênior não se adequava mais ao que ele precisava. Quando a ficha caiu, me vi ante o dilema de lhe arrumar uma puta virgem. Primeiro pensei naquela coroa que reconstituiu o hímen, mas como dizia a esposa do César romano, é importante parecer ser séria. E as carolas safadinhas não são putas nem tecnicamente virgens… Só sei que agora, o meu i-Phod só toca música. Tango argentino.

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