1978 — O continente em coturnos

Videla al paredón y la selección en el corazón

Revista Fora da Área
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Gustavo Gonçalves

1978. Argentina. Uma nação que vive inúmeras experiências em seu cotidiano. Estádios sendo remodelados, tensões na política nacional e o constante questionamento: estaria tudo pronto até a abertura do evento? Nós, brasileiros, vivenciamos momentos de aflição em 2014 e 1950. Mas o que isso representa? Modificações na gestão do evento e mais investimento público para custear as estruturas necessárias para o bem-andar do espetáculo. Nada de novo no front…

Mundial Argentina 78/ transformar o mundial de futebol em uma arquibancada internacional contra o fascismo/liga pelos direitos e a liberação do povo/federação CGIL CISL UIL milão

O Proceso de Reorganización tomou de assalto o poder em 1976, depondo Isabellita Perón. No entanto, a crise política data de períodos anteriores a esta data, caso considerarmos a morte de Juan Domingo Perón em 1974. Diante as prerrogativas do movimento golpista, estava uma suposta luta contra “os subversivos” e a restauração da “moral cristã” no país. Frente a estas contingências, disseminou-se uma irrestrita e brutal repressão aos movimentos estudantis, sindicais e revolucionários. As táticas adotadas pelo oficialato tiveram amplo apoio estadunidense pela mencionada “Escola das Américas”, mas também contou com treinamentos fornecidos pelo exército francês. Experimentos resultantes da Guerra da Argélia e da Indochina favoreceram o preparo dos oficiais militares e desenvolvimento de estratégias para o combate ao “inimigo urbano”. O redimensionamento dado ao combate militar é expressa pela tática de “guerra de baixa intensidade”. Estas técnicas também possibilitaram a instrução de diversos oficiais do exército argentino a adotarem procedimentos de tortura em seus inquéritos, oferecendo-lhes as condições necessárias para proceder com os “subversivos”. Para representar a ausência de direitos cívicos, podemos mencionar a fala do general Ibérico Saint Jean, apontando o extermínio de todos aqueles que se opusessem à realização da Copa do Mundo de 1978. Em sua fala vemos: “Primeiro mataremos a todos os subversivos, depois mataremos a seus colaboradores, depois a seus simpatizantes. Em seguida mataremos aqueles que permanecem indiferentes e, finalmente, mataremos os tímidos”.

César Luis Menotti x Jorge Rafael Videla: Menotti, tendo um apreço aos “peronistas”, desejava uma vitória “ao seu povo” frente aos ataques da Junta Militar capitaneada por Videla

Frente a isso, desenvolveu-se em âmbito internacional uma forte campanha de boicote ao evento, seja no exterior ou no próprio país, embora neste se teve com menor intensidade. De acordo com a historiadora Lívia Gonçalves Magalhães, a COBA (Comité Organizador del Boicot a la Argentina) teve uma maior atividade na França, sendo resultado da aglutinação de diferentes setores da esquerda do país. Suas denúncias apontavam para as violações cometidas pelo regime militar, além de apontar para os usos políticos do espetáculo. No entanto, a campanha do boicote não se deteve somente na França, podendo ser exemplificado pela mobilização da Anistia Internacional na Alemanha e Itália por diferentes sindicatos da região, expressando a irrestrita solidariedade com a população, além de apoiar a libertação dos povos.

A questão política no futebol do período atravessou toda a organização deste evento, vinculando-se com diferentes personagens da sociedade argentina. Para exemplificar nossa afirmação, o tripé composta por polícia, hinchadas e grupos parapoliciais, enfatizado pelo caso de Marcelo Amuchástegui, líder da torcida do Gimnásia y Esgrima que colaborou junto ao governo a mando de Ramón Camps é sintomático. Soma-se a isso a pressão da FIFA para a organização do evento, que levou à criação da EAU. Buscando garantir maior agilidade nas obras para o início do torneio, vários casos de corrupção neste órgão foram denunciados, e os envolvidos foram sumariamente silenciados, e aqui é necessário mencionar o caso de Juan Alemann: ao posicionar-se contrário aos excessivos gastos do Ente Autárquico sob controle do almirante Carlos Lacoste, seu apartamento foi alvo de um atentado no momento em que a seleção argentina comemorava o quarto gol na partida contra o Peru.

1978: detrás do futebol as picanas(instrumento de tortura usado pelos “gorilas” da ditadura argentina

Mas e onde fica o futebol em meio a tamanha agitação política?

Ora, o futebol é política. Não existe qualquer atividade que seja apolítica e por isso podemos pensar que houve um elemento que possibilitou a inserção de diferentes personagens históricos em torno da Copa do Mundo de 1978: a identificação com a própria nação argentina! Neste quesito, o leitor poderá relacionar este argumento com a atuação dos Montoneros, grupo paramilitar de tendência peronista, defendendo a execução de Jorge Rafael Videla, mas expressando apoio à organização do evento. Além disso, os relatos de inúmeros perseguidos políticos do período nos informam sobre o reencontro com desaparecidos dentro dos estádios, sendo um momento de emoção e euforia! Uma complexa questão, mas que rompe com a tradicional (e imprópria) visão do futebol enquanto elemento “alienante” nas sociedades capitalistas. Longe de ter esta característica, que em muito foi difundida nas universidades da década de 70, é espaço de resistência e predominantemente político.

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