7 de Junho: Um Dia Sem Fim

Revista Fora da Área
Revista Fora da Área

--

Por Danrri Ferreira

De tanta coisa que aprendi, a primeira é que não se come bergamota com a semente, porque a gente pode se engasgar. A segunda é que nós não escolhemos o Inter. O Inter é que nos convoca. A raiz guerreira e popular entranhada no colorado faz de cada um de nós parte essencial na engrenagem histórica do Celeiro de Ases, ainda que os astros cintilem num céu — inevitavelmente azul.

Eu não comecei a acompanhar o Internacional a partir de 2006. Duílios, Cidimares e Celsos já me atormentavam antes. O primeiro Anderson que eu vi era chegado em papoula e nunca jogou no Manchester. Culpa disso é de Ricardo Juarez Ferreira, vulgo Ducão — meu avô. Ao contrário de tantos casos, não foi o pai que influenciou na caminhada com o futebol. Os estragos das décadas de 80 e 90 não arrefeceram o ímpeto em ver os seus netos levando à frente o apreço pelo Rolo Compressor. Paralelas às tantas fábulas com Falcão, Figueroa e tantos outros heróis, o radinho de pilha estava na onda dos pesadelos e horrores protagonizados pelos tempos de vacas anoréxicas no Beira-Rio. A veracidade do que o Ducão me contava já parecia — pasmem — inexistente. Ele sabe que eu nunca gostei de perder. Sabe também que eu era teimoso demais — um tanto birrento e arrogante. Por muitas vezes, um completo imbecil. Bem como os aprendizados vieram, as vitórias voltariam. Bastava que eu acreditasse até incluindo o desejo no Pai Nosso proferido todas as noites. Mãezinha do Céu, eu já sabia rezar sim. Mas azul era teu manto e branco era teu véu. Chega de azul! Eu não aguento mais rezar. Não sei se eu já disse, mas eu não gosto de perder.

As premissas, realmente, deram frutos. Muito — ou quase tudo — se deve a Fernandão. O cara cabeludo, de fala forte e uma estrela irreparável. Veio da França, de Zidane, sem fazer alarde. Um jogo bastou para que caísse nas graças do torcedor. Com Fernandão no plantel, o Inter só não ganharia o Brasileirão que o Ducão lembra como se fosse ontem — e que nos tomaram na mão grande, como o Brasil e o mundo viram. Aconteça o que acontecer, sempre lembre que foi pênalti no Tinga. O rival já mergulhava em jejuns, rebaixamentos e reveses perante o simpático Internacional, que resgatava sua grandeza sob a batuta do carismático jogador, que tinha uma característica em comum com a gente: ele não gostava de perder.

Lindo, porém trágico.

Nem o maior dos contos pensaria em balbuciar que Fernando Lúcio da Costa e Ricardo Juarez Ferreira morreriam no mesmo dia — com um ano de diferença. Enquanto Vitinho e Nilmar definiam os rumos de Inter x Coritiba, e as homenagens e lembranças das glórias do Capitão eram iminentes, o simplesmente partiu, sem me avisar. Trezentos e sessenta e cinco dias, uma infeliz coincidência. Os responsáveis por momentos espetaculares da minha existência me deixaram — vinte anos, oito pontos na cara e algumas excentricidades depois. Era como se eu estivesse sozinho.

A verdade é que as relações pessoais entre eu e tiveram pontos altos e baixos. Ainda assim, o parentesco e a escrita de nossas existências jamais poderiam ser apagados. Os Titãs voltaram, mas esqueceram de cantar a plenos pulmões que o acaso iria nos proteger enquanto nós andássemos distraídos. Em contrapartida, o Inter só alcançava ainda mais triunfos. Se não tínhamos mais Fernandão e Iarley, veio D’Alessandro. Até imitei o corte de cabelo daquele argentino matreiro, só que o vô nunca viu. Nem sequer me ligava mais para perguntar como estavam “as namoradas” — fica o registro de que ele não conheceu nenhuma das verdadeiras namoradas. Como em todas as famílias, aconteceram as desavenças. Pelo contexto, o certo era que as entrelinhas comprovavam que o final havia de ser com lágrimas, não exatamente de felicidade. “Boas recordações” é um termo mais indicado. Outrora perdidos no descaso ou no orgulho, seríamos astros de novos capítulos com a reprise de bons momentos, mesmo separados. A volta de uma convivência mais próxima, com tanto papo pra botar em dia, ficou para outra hora. Não vai ter mais graça visitar a oficina para martelar pregos inúteis nas mesas surradas e que tanto deram de comer aos nossos irmãos e primos. Bem como é estranho chegar ao Beira-Rio e saber que aquela estátua representa alguém que já se foi.

Hoje já é 9 de junho de 2015. Eu estou cansado demais. Triste, sim. Ninguém é inabalável ou de ferro, ainda que tente aparentar. O trabalho me suga, a vida me deixa sempre alerta e o SPC não para de me ligar. Quanta gente maldita, que saudade de mim. Até porque amanhã a vida continua. O sentimento do luto é o simbolismo que o ser humano adora e precisa ter, para fins de conforto e uma devida devoção. Ducão e Fernandão estão em outros planos, andando em outros solos, comemorando gols com divindades. A minha vez também chegará. Neste dia, eu só quero deixar para alguém o que eles me deixaram. Não por acaso, a herança mais bela que existe no Universo: o amor.

Que o descanso seja de uma merecida paz.

16 de agosto acabou. 7 de junho sim, é um dia sem fim.

Até mais.

Danrri Ferreira é torcedor colorado e o mais novo colaborador da Revista Fora da Área.

Siga a Revista Fora da Área no Twitter e no Facebook . Toda semana, um novo texto no Medium Brasil. Não deixe de clicar em Recommend. Assim, mais pessoas terão acesso ao texto.

--

--