Os maestros do cimento
O que os olhos não veem a garganta compensa
Por Revista Fora da Área
O camisa dois segue beirando a lateral do campo em velocidade, procurando apoiar o ataque organizado pelo camisa dez, que, com classe, conduz a bola em direção ao gol adversário. Na altura da meia lua, o camisa nove se divide entre observar o armador de sua equipe e tomar cuidado com a linha de impedimento, para não matar mais um contra-ataque. Do lado de fora do campo, dentro de um curral tracejado, um senhor de calças esbraveja, xinga, canta as jogadas para a sua equipe.
Nas últimas escadas da arquibancada há alguém que não assiste a nada disso. O treinador não grita seu nome, o lateral não cruza em sua cabeça, o meio-de-campo não executa tabelas e o centro-avante não comemora junto. Alguns que não são do seu meio se perguntam por que diabos o cidadão compra o ingresso para não acompanhar a jogada do gol que já já vai sair. Não entendem que ele é quem grita, quem conduz e puxa os contra-ataques, direto da arquibancada. Enquanto as cordas vocais aguentarem, teremos os torcedores que ficam de costas para o jogo.
Não é protesto, não é indiferença: é transpiração. Os líderes de canto, assim como os técnicos em campo, precisam estar atentos a cada torcedor ao seu redor. São, por algumas horas, seus comandados. Aqueles que insistem em ficar calados, esporro. Aos que saltam as veias do pescoço de tanto berrar, cumprimentos. São os maestros da orquestra que, em uníssono, entoam mais um cântico em prol de sua equipe.
Sem camisa ou de agasalho da torcida predileta, cada organizada conta com o seu ‘puxador oficial’. É a referência principal para os torcedores que estão ao seu redor, já que é ele quem costuma iniciar as músicas de apoio. Como o goleiro, que precisa ter o tempo de bola, o bom puxador deve administrar bem o seu tempo de canto. Sem ele a torcida para, os buracos entre uma música e outra acontecem, e o apoio de 90 minutos se reduzem a 89, 88, 87… isso é gravíssimo.
Minha alma amarela está de portas abertas
Entre os mais conhecidos desse tipo de torcedor, um veste amarelo. Figura fácil de se localizar desde o antigo Mineirão, Fubá é integrante da Torcida China Azul, do Cruzeiro. Famoso por sua camisa amarela de mangas longas — como a do goleiro Raul — Fubá já concedeu diversas entrevistas explicando o porquê de não assistir o jogo. Poucos entenderam.
Em entrevista ano passado ao Sportv, Fubá calculou. ‘‘De vinte e tantos anos frequentando o Mineirão, devo ter visto somente uns 20 gols’’. Só em 2014, a equipe bi-campeã brasileira balançou o filó em 87 oportunidades. Fubá não está nem aí.
A energia dele é quem, por muitas vezes, segura o ritmo naquele setor do Mineirão. “A minha intenção é estar de frente para a torcida, para eu passar garra. Não posso deixar a peteca cair”, afirma o homem de amarelo. Entre os gols que queria ver, Fubá volta ao ano de 1998 e cita um do já falecido Alex Alves. “O Mineirão estava lotado, era Cruzeiro e Portuguesa. No final do jogo o Alex Alves — que Deus o tenha — fez um gol de letra. Todo mundo falou que foi um golaço.”
Fubá e sua relação com a camisa amarela — tão conhecida quanto a Brasília dos Mamonas Assassinas — também vem dos anos noventa. “ Essa história da camisa começou quando eu tava no treino e o William Andem (goleiro camaronês que jogou no Cruzeiro entre 1994 e 1996) falou: ‘vou dar camisa pra Fubá!’ Em homenagem a ele passei a ir aos jogos só com ela”.
Luvas, boné, camisa manga longa amarela. Fubá faz de tudo para aparecer e não é por mal. A sua torcida e todos os outros ao redor precisam visualizá-lo, pois Fubá é evidência na arquibancada.
Atualmente, um puxador de torcida tem de economizar sua garganta para dividi-la entre o alento e a discussão com um torcedor coxinha ou um steward mandado. Para seus companheiros visualizarem e escutarem melhor suas ordens, os líderes costumam subir nas cadeiras dos estádios. Por vezes se equilibram nos braços das cadeiras dos estádios. Os malditos marca-textos não entendem que não queríamos aqueles encostos por ali — em todos os sentidos da palavra — e passam partidas inteiras a esbravejar com torcedores mais empolgados. Tentam dar o bom exemplo do rapaz de meia idade sentado próximo a organizada, assistindo a partida sentado, com pipoca grande e Coca-Cola. Os seguranças mais brandos avisam que só estão fazendo seu trabalho, os irritadinhos colocam o dedo em riste, ameaçam; não entendem quem manda nas arquibancadas, quem chegou primeiro naquele pedaço de cimento. Precisam de alguém no mais alto dos degraus, de costas para o campo, suando em bicas, para compreenderem nossa paixão por futebol. Titubeiam, mesmo assim. É em vão.
Ganharemos no grito, como sempre foi.
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