O time que joga de terno

Como a ascensão do Joinville Esporte Clube à Série A teve nos tribunais seus momentos mais importantes

Revista Fora da Área
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Yuri Eiras

O sistema de registro de atletas da Confederação Brasileira de Futebol tem sido alvo de críticas da imprensa e dos dirigentes dos clubes por sua suposta fragilidade. Ano após ano, times são prejudicados ou beneficiados pela falta de comunicação com a CBF ou mesmo por falhas em documentações. Os setores jurídicos dos clubes têm trabalhado para evitar erros semelhantes com o do Caso Héverton, que modificou, em 2013, o rebaixamento das equipes da Série A do futebol brasileiro, uma polêmica que até hoje divide opiniões.

O Joinville Esporte Clube esteve em campo por cerca de 213 horas em competições nacionais desde 2010. Esse tempo todo correndo de um lado para o outro do campo foi fundamental para a equipe catarinense conseguir disputar, neste ano, a Série A do Campeonato Brasileiro. Igualmente importante foram as horas disputadas de frente para o juiz. Não estamos falando de árbitros; são juízes mesmo, com roupa preta e martelinho, que ouviram nos tribunais as argumentações do advogado do clube, Roberto Pugliese Jr. Em todas as edições do Campeonato Brasileiro em que o time catarinense conseguiu um acesso (2010–2011–2014), ele disputou — e ganhou — pontos também no tribunal.

A Série D de 2010

No dia 17 de outubro de 2010, a Arena Joinville quase esgotou sua capacidade. Era a reconquista da honra do torcedor local, que há anos não via o time da cidade disputando competições para vencer — nem mesmo no campeonato regional. Em campo, o time disputava o jogo de volta das quartas de final da Série D do Campeonato Brasileiro, contra o América-AM. A equipe amazonense tinha a vantagem por ter vencido na ida pelo placar de 2 a 1. Um jogo equilibrado, onde o empate por 1 a 1 deu ao América, além do avanço a semifinal, a vaga na Série C do próximo ano. Aquela disputa, entretanto, não terminaria ali.

Um mês depois, com outro uniforme, desta vez de terno e gravata, o Joinville voltou à batalha. O seu advogado, Roberto J. Pugliese Jr., carregava a esperança da torcida tricolor em pastas e documentos. Na tarde de 9 de dezembro de 2010, quase dois meses depois do jogo, o veredicto: o Joinville Esporte Clube havia conquistado o direito de disputar a Série C de 2011. O motivo: o jurídico do clube descobriu que o então zagueiro do América-AM, Amaral Capixaba, foi escalado de forma irregular na primeira partida das quartas de final, no dia 10 de outubro.

A defesa do Joinville, que entrou com o processo, alegava que Amaral Capixaba não estava inscrito no Boletim Informativo Diário (o famoso BID) da CBF. Ivan Guimarães, então diretor técnico da Federação e responsável pelos registros lembrou na época que, dia 15 de julho, — antes do início da Série D — todos os contratos do América foram registrados na Federação. Amaral Capixaba pertencia ao quadro do clube desde o ano anterior, onde jogou duas vezes no Estadual e na Copa do Brasil. Por que, então, Amaral estaria irregular?

A resposta não é difícil: o sistema da CBF é falho e sujeito a erros. Alguns casos permaneceram no anonimato, como o de Amaral. Outros, por envolver clubes grandes, estão na mídia até hoje, como o Caso Héverton. O BID registrava que o contrato do jogador tivera início no dia 15 de outubro. O contrato, entretanto, fora firmado no dia 15 de julho. Amaral, por um pequeno erro, estava realmente irregular.

Mesmo assim, o América-AM foi absolvido no primeiro julgamento. A diretoria do JEC, então, entrou com recurso no Pleno e conquistou, enfim, a vaga que seria do América. O clube respondeu ao artigo 214 (incluir na equipe, ou fazer constar da súmula ou documento equivalente, atleta em situação irregular para participar de partida) do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Além de perder a vaga da Série C (foram retirados seis pontos da equipe), o clube do Amazonas foi multado em R$ 300.

Antes, em 12 de novembro de 2010, o América-AM já tinha sido punido pelo TJD ao escalar o zagueiro Fofão de forma irregular. Ele foi escalado na semifinal contra o Madureira-RJ mesmo punido com três cartões amarelos.

Dois erros do mesmo clube, no mesmo campeonato, com menos de um mês de diferença entre eles.

O advogado do América-AM à época é um personagem conhecido: Osvaldo Sestário, o mesmo que defendeu a Portuguesa-SP no Caso Héverton. As semelhanças também existem no lado do Joinville. Um dos patrocinadores do clube é a Unimed.

Osvaldo Sestário Foto: Ale Silva/FuturaPress/ FolhaPress

A Série C de 2011

Corria o Campeonato Brasileiro da Série C de 2011. Santo André e Brasil de Pelotas disputavam as últimas posições do Grupo D, na primeira fase da competição. O Joinville, bem no campeonato, era o líder do grupo. Faltando apenas uma rodada para o fim, um julgamento no STJD mudou os rumos de alguns clubes e definiu a perda de 6 pontos do Brasil de Pelotas.

O Xavante, até o momento, estava empatado em pontos com o Santo André, com 7 cada um. Após a punição, ficou apenas com 1. O Brasil estava automaticamente rebaixado para a Série D do próximo ano.

O motivo da decisão do tribunal foi a escalação do lateral-direito Cláudio pela equipe do Brasil de Pelotas, ainda na primeira rodada do campeonato, justamente contra o Santo André. A irregularidade de Cláudio se explicava no ano anterior, quando o lateral defendia o Ituiutaba (hoje Boa Esporte). Era a Série C de 2010 e Cláudio foi expulso em 20 de novembro. O lateral mudou de time e, até então, não havia cumprido a suspensão nos clubes por onde passou. O problema caiu nas costas do Brasil de Pelotas, clube que Cláudio defendia naquele momento.

Houve o julgamento e a defesa do Brasil de Pelotas alegou que, após diversas transferências do jogador, o mesmo deveria ter cumprido suspensão automática em qualquer campeonato em que ele havia jogado, seja organizado pela CBF ou não. Os gaúchos, na primeira vez, foram absolvidos.

Para o Joinville, em relação ao campeonato, a posição do Xavante na tabela não mudaria os caminhos do clube, já que o time catarinense era líder e o Brasil de Pelotas lanterna. Ainda assim, o jurídico do clube pediu a reabertura do processo, novamente com base no artigo 214. A decisão saiu no Pleno e o Brasil não tinha mais como recorrer. Estava rebaixado para a Série D de 2012. Eduardo Szechir, então vice-presidente jurídico do clube xavante, o representou no tribunal na ocasião. Em entrevista ao Globoesporte.com ano passado, Eduardo se manifestou.

— Creio que há dois pesos e duas medidas. Na época, consultamos a CBF e a Federação Gaúcha, tínhamos um documento da Federação Mineira afirmando que não havia pendência nenhuma, e escalamos o jogador de boa-fé. Não foi culpa nossa. — declarou.

No campo e bola, o Joinville fez ótima campanha e se sagrou campeão brasileiro da Série C de 2011.

A Série B de 2014

Os anos de 2012 e 2013 foram de uma tranquilidade apática no clube que representa a cidade de Joinville. Disputando a Série B, ele obteve a mesma classificação — sexto colocado — nos dois campeonatos. A maior polêmica com o nome do Joinville — e nada teve a ver com o clube — foi a trágica disputa entre Vasco da Gama e Atlético-PR pela última rodada do Brasileirão de 2013. A partida, que definia um dos rebaixados para a Série B, foi disputada na Arena Joinville. Cenas lamentáveis foram vistas ao vivo por todo o Brasil.

Já ano de 2014 voltou a marcar a forte representatividade do Tricolor no tribunal. Logo na primeira rodada do Brasileiro da Série B, uma polêmica: a partida disputada contra a Portuguesa-SP, na Arena Joinville, foi paralisada logo aos 16 minutos do primeiro tempo. Não por chuva nem por briga. O motivo foi uma liminar obtida por um torcedor lusitano na 3ª Vara Cível do Foro Regional da Penha, exigindo que o delegado do jogo interrompesse a partida.

Foto: Mister Shadow/Agência Estado

A decisão era resultado do polêmico Caso Héverton, que terminou no rebaixamento da Lusa para a segunda divisão.

O Joinville entrou na justiça para receber os pontos daquela partida que mal foi disputada. Pugliese Jr., advogado do Joinville, entrou novamente em ação e foi ao SJTD. Ganhou. O Tricolor catarinense levou a partida por WO (3 a 0) e a ação resultou em multa de 100 mil reais para a diretoria do clube paulistano, além de suspensão temporária de presidente e técnico.

Na data em que aconteceu o julgamento, o Joinville estava com 100% de aproveitamento na competição e era líder do campeonato. Com um 3 a 0 na justiça e mais três pontos, continuou tranquilo na competição.

O ano de 2014 ainda guardaria mais trabalho para Pugliese e todo o jurídico do Joinville Esporte Clube. No início de setembro, o clube enviou ao STJD uma denúncia de irregularidade no plantel do América-MG. Até o julgamento no tribunal, o clube mineiro disputava, junto com o Joinville, uma vaga na Série A. Ambos estavam no G-4.

A denúncia da vez era, de novo, uma possível escalação irregular do lateral-esquerdo Eduardo, que defendeu o clube mineiro entre 26 de junho e 28 de agosto. O problema era que Eduardo já havia defendido outros dois clubes em 2014 (São Bernardo e Portuguesa). Apesar de ter efetivamente jogado em apenas uma partida com a camisa do América, o lateral não foi poupado pelo Joinville. O então advogado do clube mineiro, Henrique Saliba, ainda sustentou que a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro são competições distintas. O resultado foi desfavorável, no entanto: uma multa de R$ 20 mil e a perda de 21 pontos — reduzidos para 6 em um julgamento futuro — no campeonato.

O Joinville, novamente em ótima campanha, se consagraria ao final do torneio como Campeão da Série B, em uma edição que contou com grandes equipes como Vasco da Gama e Ponte Preta.

2015: o feitiço e o feiticeiro

O artigo do Código Brasileiro de Justiça Desportiva que tanto beneficiou o Joinville em conquistas nos tribunais, o prejudicou no Campeonato Catarinense deste ano. Isso porque o André Krobel, lateral-direito do clube, foi relacionado em uma partida contra o Metropolitano, onde o Joinville utilizou jogadores reservas e alguns das categorias de base, por já estar classificado. O jogador deveria ter um contrato como atleta profissional do JEC, por já ter completado 20 anos.

O regulamento explica que um jogador com essa idade não pode ser relacionado para uma partida oficial com um vínculo amador, sendo permitido apenas em competições de base ou para atletas até 19 anos. O JEC perdeu quatro pontos e foi punido também com multa de R$ 8 mil. Isso influenciaria na vantagem de placares da final do campeonato. Embora o Pleno do TJD de Santa Catarina tenha julgado apenas a súmula da partida antes das finais, os dois 0 a 0 ocorridos na decisão beneficiariam o Figueirense, e não o Joinville, que levantou a taça do estado. O caso ainda está sendo julgado.

Foto: Eduardo Valente/Notícias do Dia

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