A conta

Ivan Nery Cardoso
Revista in-Cômoda
Published in
2 min readJun 1, 2019

Mas o que Marilene não sabe é que Nina sente o mesmo. Talvez não com a mesma intensidade, mas definitivamente o mesmo sentimento. Um sentimento que, de tão novo, nenhuma das duas sabe ainda nomear. Amor, sim. Tesão, também. Mas algo além. Algo maior: uma tentação, um conflito, um impulso que já algum tempo não se basta no pensamento, no desejo de Marilene por Nina, de Nina por Marilene.

As duas, ao se olharem, são inundadas dessa estranha, imensa, intensa felicidade que as preenche primeiro no peito, onde as alegrias do amor sempre começam, e depois extravasa pelos vãos entre as costelas, num gotejar quente que vai se avolumando em poça, lagoa, lago, oceano em maré revolta; subindo aos ombros e descendo ao ventre, ao baixo ventre, em pulsos de eletricidade contraindo os músculos, como se ali batesse um outro coração, mais lento, mais sensível. As pernas se deixam esmaecer, quietas, pois não é mais necessário caminhar, o destino está bem à frente: Marilene à frente de Nina, Nina à frente de Marilene. Rapidamente, a visão se turva para não deixar os olhos enxergarem o crucifixo no pescoço da outra e impedí-las de sentir, por vergonha, por uma culpa que não tem forma, nem cor, nem cheiro, mas que pesa quando se quer fazê-la pesar.

Só que o olhar não se basta. É necessário mais. Uma mão que se estende por cima da mesa, que se lança em direção à outra. A outra que a alcança, sedenta. Marilene sorri para Nina. Nina sorri para Marilene. Olham para as mãos que se tocam, dançando num ritmo secreto que apenas as duas conhecem. Os dedos entrecruzados, o calor da palma e uma carícia no pulso, uma longa e terna carícia. Um gesto antigo, agora ressignificado, com sabor de novo. Uma nova exploração do corpo que logo já não será o suficiente. Levantam mais uma vez os olhos e ficam ali. Apenas ali. Tudo o que podem fazer agora, neste curto instante, enquanto os maridos se conversam para dividir a conta.

--

--