A mosca da inquietude

Só entende quem a tem.

Mylena Andrade
Revista in-Cômoda
2 min readJun 1, 2018

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Inquietude é feito mosca: incomoda. É chata. Ninguém convidou. Mas ela está ali.

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Há certos tipos de pessoas que já nascem carregando essa coisa no peito.

Coisa essa que não pede licença.

Por vezes, se acalma e aquieta.

Mas quem convive com ela, bem sabe: logo é chegado o tempo em que ela ressurge, tão viva como antes.

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E ela grita.

Se não a escutamos, faz doer.

E coça.

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O que a mosca do incômodo quer sempre é fazer-nos mover.

Ampliar horizontes.

Mostrar o mundo.

Apontar as entrelinhas.

Possibilidades.

Criações.

Caminhos.

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Ela tem sempre algo a nos dizer.

Mostrar.

Fazer.

Mudar.

Ser.

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Insatisfação, infelicidade, ausência de sentido.

Quantos pobres adjetivos atribuem à pobre mosca que, coitada, só quer mesmo cumprir sua função.

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Pois não se trata de ausência nem presença.

Não se trata de ter ou não ter.

Nem é sobre insatisfação eterna.

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A mosca do incômodo só se contenta quando nos tira do lugar.

Ela não gosta de conforto.

Tira as lentes já tão esmaecidas de nossos olhos, dá-nos um tapa na cara, nos olha de frente e diz: “E aí, vai ficar aí parado mesmo? Achou mesmo que eu te faria ver tanta coisa e depois disso te deixaria em paz?”.

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Então a gente ouve.

Nos deslocamos, mudamos de posição.

Trocamos as cadeiras.

Daí ela nos põe no zero.

Nos abandona, nos deixa lá.

Vira as costas e diz “agora, te vira aí".

Porque a mosca concluiu sua missão.

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Minha mosca do incômodo serve pra me mostrar que eu sou sempre nada.

Me tira de qualquer achismo que eu ache que acho.

Me joga no nada pra me fazer sempre navegante.

Me irrita.

Tira-me o luxo, a glória, vitória, louvor.

O sossego.

Mas traz-me confiança.

Leva-me sempre de encontro ao que sou.

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A mosca sabe do que faz.

Brigar com ela é brigar comigo.

Mas ela não dá porquês.

Só diz mesmo dos sentidos.

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Só sabe da mosca quem a tem.

Só é capaz de ouvi-la aquele que lhe dá abrigo.

E felizes ou não por carregá-la, só nos resta mesmo, utilizá-la. Ouvi-la. Guiá-la. Aproveitá-la.

Pois tão maior do que qualquer necessidade humana de definição do mundo, é o encontro com a vida.

A mosca que leva pra vida.

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