A Mulher Só (I)

Ander Simões
Revista in-Cômoda
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2 min readJun 11, 2020
Foto de Sasha Freemind (via Unsplah)

Sensação de febre, cansaço nas costas e peso nos ombros a movem pra baixo, no sentido de levá-la ao chão, retirando de sua volta todo e qualquer suporte pelo qual ela poderia se levantar e lutar.

- Pra onde foi o gosto salgado da lembrança da terra? O cheiro da infância onde o que dói, só dói, não machuca?!

O pulso com suas veias gritantes berram pelo fio cortante da lâmina.

- Ahhh!!!

Apenas o tampo de vidro da mesa que, com o golpe de punhos cerrados, se quebra e se estilhaça em pequenos pedaços de sangue no chão.

O processo de testar os limites tornou-se perigoso demais! Ela tateia no escuro as bengalas de apoio… e eis que surge a tola e boba menina chamada esperança. Aquela que se tornou responsável pelo não fim das coisas, pelo próximo passo, pela ilusão convincente. Aquela menina faceira que te fala baixinho ao pé do ouvido que tudo pode não ser tão ruim assim, que uma outra rota pode ser traçada, um novo caminho percorrido, ou então ela te incentiva na permanência do mesmo, com a justificativa de que se ainda não aconteceu, é porque não chegou no final. Que tola essa menina! Será?

Quisera ela poder voltar à infância… refazer os caminhos infantis… Criança não tem pudor. Criança faz tudo sem medo. O que dói só dói, não machuca. Já o crescer dói! O crescer rasga o peito, azeda a mente e adoça o corpo. Traz o medo e goza pudor. Geme o grito que antes foi choro; berro da fome, grito da manha. A mão que era fechada, hoje abre no corpo, alisa a pele e arranca o tecido. A boca do leite, hoje encosta no pelo e gera o prazer de crescer e gemer. Mas o prazer é efêmero e a dor um contínuo. A dor da infância é o prazer da lembrança, do que não machuca, só dói e se cura. A dor de agora é uma vasta agonia. Ela vem e se instaura. Não pede licença, muito menos aponta seu fim.

Ela sente água convertendo-se em lágrimas em seus olhos. Mas elas não vertem no caminho dos poros. Estáticas, congelam no globo e não caem. Aprendeu assim como uma forma de guardar a dor nas entranhas, aliviá-la em outro momento, quando não mais for necessário o aprendizado que ela traz.

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Ander Simões
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Diretor, produtor, ator, cineasta e roteirista. | Twitter e Instagram: @andersimoes_ | Site: andersimoes.com