Abolição

São tempos de maré alta e cá estou nadando de cabeça cheia
Criticam as ondas do meu oceano verbalizado…
E eu, ser líquido, escorro pra longe das suas cadeias.
Desse mundo modernizado
Nessa cadeia alimentar…
…me querem presa fácil, mas sei que
o Big Brother é o ano inteiro
E sempre tem quem queira me vigiar.
E punir!
Me docilizar… mas sinto muito, não me pacifico.
As cicatrizes e calos que carrego na pele e na alma são as causas pulsantes do meu grito!
Cresci distante da minha mãe, fui afastado do meu pai.
Como filho que não foge à luta a periferia me acolheu
E ensinou que a chama da luta não se apaga nem se esvai.

A luta é todo dia, pois todo dia alguém me ataca

Seja recusando minha humanidade,
ou me tratando como quem tem sangue de… barata!
Vida Barata.
Voa Periplaneta!
Habitei as margens, saí das margens com a caneta!
Vida barata!
Quanto vale meu sofrimento e humilhação?
Que é cotidiano…
Na universidade, na cidade, no trampo, no busão…
Vida barata!
Como a carne que recobre meu amontoado de ossos
Aboliram foi a vergonha na cara
Pois há quem ignore que deixaram meu povo nos destroços.
Mas nesse mundo globalizado, atravessado pela era da informação
Me muni de conhecimento pra ajudar cada irmão
E irmã
Que me estender a mão
Nessa pátria amada idolatrada e sem senso de justiça
Aprendi que quando houver medo ou insegurança
Devo agarrar um dos meus e não chamar a polícia.
Sou um ser híbrido:
Natureza, cultura e resistência!
Insistem em me fazer esperar minha vez
Mas de onde vim: nois não tem mais paciência.
Esperamos há tanto tempo, que cansamos nessa espera
Se subimos um degrau, logo alguém vem e nos tira,
Espera…
Se demos outro passo, alguém reclama ou suspira
Espera.
Já cansei de esperar, não espero mais.

Nesse país que foi posto de pé por meus ancestrais
Com suas mãos na terra
Com o seu suor pingando no rostos…
Abolição, colega?
Não há!
Se desde aquela época só mudaram o sobrenome nos postos
E ruas, ainda relembram esse passado vil!
Abolição, colega?
Me diz desde quando preto tem liberdade no Brasil?