artesanato

micro poética do artesanato

Andre Ribeiro
Revista in-Cômoda
2 min readJul 28, 2017

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.. quando olho um pedaço de madeira penso no que fazer com ele. Pensar é uma palavra precária para dizer o que de fato se passa em mim: uma mistura de sensações, desejos, vontades, ímpetos, imagens, projeções, sentimentos, visualizações, tato; tudo passa num segundo em meu corpo. Sou por assim dizer tomado por um conjunto de ações sensitivas que me tornam uma experiência próxima da madeira. Todo meu corpo se transforma para "pensar" no que fazer com um pedaço de uma matéria semi viva (a madeira). É como se deixar envolver por uma mistura corpórea, senti-la embaixo da pele, os olhos despertos, as mãos se eriçando para alcançar uma realização, um estado de concretude totalmente distinto de todos os outros. De certo modo, eu com a madeira forma uma experiência única, concreta e diretiva, no sentido em que se dá a uma projeção vivente. A madeira comigo, Eu manuseando-a, é algo no futuro: vem de encontro ao presente. E não seria exagero dizer que vivo para pensar no que fazer com um pedaço de madeira, pois sou inspirado através dela. Quando sou tomado por este ímpeto original, envolvido por um estado de artesão, onde toda a matéria é o corpo, não há mestres marceneiros pairando a volta, tal como espectros de uma cultura, que me tirem deste estado de consagração da vida; nada pode nublar esta potência especial de animação. Torno o pedaço de madeira em minhas mãos uma parte tangível de meu corpo; sinto toda a sua extensão, cálculo e medida, para dar vazão a uma força interna que ultrapassa a todos os obstáculos, supera todo o terror das abstrações. Sendo uma força criativa, tal como é, univoca, indivisível, o único projeto que tenho em mãos é fazer qualquer coisa com este pedaço de madeira: um banquinho, um criado mudo, uma estante, tanto faz o que seja — a forma é ausência de êxtase — , desde que se realize em mim este fazer, simplesmente. Posso dizer que se trata de uma vontade absoluta de expressão, de pulsar num estado criativo intermediário entre o concreto distanciado e as abstrações introjetadas que cingem com este estado. É desejo e permanência, lado a lado, incorruptíveis. Assim, e por último, é neste estado intermitente de um modo de potência que vou me dando ao trabalho de inventar maneiras de substanciar um infinito máximo particular; até onde os meus afetos e pensamentos avançam sobre a tênue linha do horizonte.

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