Alerto Bia
Revista in-Cômoda
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2 min readMar 6, 2018

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AS LOMBRIGAS DE HULENE

Inopinado, Hulene pariu um monstro. Despalhou-se sobre lombrigas que ronronavam nas suas costelas (os casebres). Lá do fim do mundo, onde os olhos enxergam o espectro do nada, não se viu germinar o sol; o dia rompeu com nuvens empoeiradas de fumaça escura, assim, embaciando o luzir estridente do sol que sufocava kamaputsu. Naquele dia não se viu, o sol, galgar o dorso do mundo. A terra cobria-se de sombras tácitas no palmilhar do vaivém dos transeuntes, alguns, sem bussola, quem sabe. A fumaça escura estendia-se pelo céu da terra. Aos miúdes, crepitavam gotículas de chuva sob telhado de zinco; açoitavam, paulatinamente, com mais intensidade sem piedade, embaciando a distância dos olhos do homem.
Ninguém tinha presságio da noite que se estendia repentinamente. A pançuda de Hulene crescia bem ai no peito da cidade das acácias como se caminhasse ao noveno mês, fosse como fosse, de gravidez ou miomas. No seu ventre lombrigas sôfregas (catadores), ainda em vida, curvavam-se debaixo do sol chamejante como se a semear nalgum campo ou a procurar granulo das suas esperanças; catavam, nas coisas que não sabiam mais viver, quando a fome apertasse a cinta. Mas em menos dias e mais dias Hulene ia parir. Disso se dizia até das bocas de crianças, quem sabe ignoravam a sua balburdia de parto, os profetas.
– Kuna a mpfula ntsena (só chove a chuva) — berrava uma lombriga pouco antes de Hulene parir um monstro, quem sabe era índole de despedida!
Nuvens obesas encobriram todo o rosto do céu engolindo as estrelas — o dia se confundia com a noite — os olhos da cidade acendiam na íntegra seu alaranjado olhar todo embaciado — até dos veículos! Não se sabiam as horas lídimas; se adivinhavam apenas, como não haviam sombras pra controlar o angulo; também se ausentara o sino da catedral dos monhés para a reza do meio-dia (talvez pelo crepitar da chuva, ou mesma ausência de caminho, pelas ruas alagadas).
A intempérie trouxe às árvores (acácias) uma coreografia abismal — os galhos repletos do verde nodoso das folhas se inclinavam e alguns se quedavam aos beijos com o chão.
Hulene, deitada pelo dorso sobre a maca tateando os céus em entulhos de lixo; a chuva chicoteava-na dos pés à cabeça, e ela pariu! — a chuva se misturava com as lágrimas — dor com o vazio — o medo com desassossego.
– Hulene pariu um monstro! — se disse na mídia internacional.

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Alerto Bia
Revista in-Cômoda

Escritor e Poeta Moçambicano nascido na Terra de Boa Gente [Inhambane] a 02 — Março. Autor de 3 [três] obras literárias. [alertobia@gmail.com]