BOAS MANEIRAS

6–8–18, sp

Há uma mulher ocupando uma mesa na copa, e todas as outras mesas da copa estão ocupadas. Do lado de fora há uma fila de gente com suas marmitas na mão, esperando vagar um lugar. A mulher que ocupa a mesa não come, seu potinho com divisões para mistura e salada está vazio, garfo e faca sujos sobre o guardanapo. Em cima da sua cabeça há uma folha sulfite com uma impressão dizendo AO TERMINAR SUA REFEIÇÃO, FAVOR DESOCUPAR A MESA. A mulher, porém, não vê o aviso, porque seus olhos estão voltados para outro lugar. Para baixo. Ela está sentada com a bunda na beirada da cadeira, com as costas apoiadas na parte de trás, as pernas esticadas por baixo da mesa. Segura o celular com as duas mãos e digita rápido. Não dá para saber o que é, seu rosto não diz nada. É impassível. Pálido e impassível. Seu cabelo loiro está preso em um rabo de cavalo, que toca suas costas no terninho preto. Usa botas marrom. A unha está pintada de vermelho e tem uma aliança na mão esquerda.

A fila cresce e as pessoas resmungam.

Ela não diz nada, os olhos fixos na tela, o que se vê? Não dá para saber. Não expressa. Tudo está na tela. Dentro e na tela. O rosto não reflete nada. Cara de digestão. Pode estar escrevendo longas risadas. Hahahahaha. Ou em maiúsculo. HAHAHAHAHAHA. Ou pode estar discutindo. Ou reclamando do tempo. Faz um tempo feio do lado de fora da copa, dá para ver pelas janelas de vidro. Pode estar escrevendo uma poesia como legenda de uma foto. Não dá para saber, só dá para saber que ela ocupa um lugar e que ela terminou de comer.

Um homem de macacão da manutenção, deve medir mais de um e noventa, se aproxima e diz Dona, a senhora poder dar licença? É que hoje tá bem cheio.

Ela levanta os olhos, olha para ele, olha para a fila, ajeita-se na cadeira, não muda nada na sua expressão, HAHAHAHA ou hahahaha ou raiva ou vergonha. Responde, enfiando a mão na sua nécessaire, Falta a sobremesa, e tira uma banana da bolsa vermelha que está ao lado dos talheres sujos e do potinho vazio. O homem engole a resposta e volta para a fila, sua expressão é fácil de ler. Indigestão antes de comer qualquer coisa. Ela pousa a banana na mesa, pega o celular e vai escorregando a bunda para a beirada da cadeira.

Outra mesa fica vazia e quatro pessoas conseguem se sentar.