Carta de terça-feira

Dayanne Dockhorn
Revista in-Cômoda
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2 min readOct 19, 2020

Querida,

Ontem tive mais uma crise de choro. A segunda entre os últimos 7 dias. Parece que não avanço para além delas, mesmo quando luzes se acendem na cadeira da terapia, mesmo quando a fórmula do novo remédio parece fazer mais efeito do que a anterior.

Esse choro durou horas, similar a um vazamento da caixa d’água que consertamos na casa nova semana passada. Precisei do calmante para frear o imenso aperto no peito. Em alguns momentos me senti sufocando, sem ar, e não saber de onde a angústia vem faz doer de um jeito todo próprio. Quando não é possível explicar em termos médicos e mostrar os resultados em exames, acredita-se ser uma invenção mal contada, sem pé nem cabeça, sem origem ou tratamento bem delineados. E apesar de tão comum, ainda tão invisível; não se lê sobre ela em primeira pessoa em lugar algum.

Eu mesma me encontro nesse sujeito plural indefinido — eles. Sei que não é nada fácil confiar em uma desconhecida quando ela declama tens todos os sintomas/não vais melhorar sem/a ajuda dos remédios. Já por duvidar de si nesse momento tão vulnerável há outro preço. Uma vez que a doença está ali, ou seja, uma vez que você está ali, tudo acrescenta ao estado geral do mal-estar. E você constata como esteve doente durante tanto tempo — se machucando e deixando-se machucar de bom grado, mas sem reparar.

O resultado foi que acordei com os olhos inchados e vermelhos; a única prova que tenho do que te conto — a única coisa palpável — são as lágrimas. Até a dor pode ser essencialmente metafórica, mas as lágrimas existem, e aos montes. Agora só faço pensar que não tolero mais essa condição. O dia tinha sido permeado por momentos acertados: banho de mar, um livro lido, uma poesia escrita, um filme com companhia. E ainda assim, tarde da noite, a dor me fazia contorcer os lençóis e implorar por um ponto final no lugar da vírgula.

Depressão é uma doença do corpo todo, eu li nos livros; também é da alma. O normal vira outro, é preciso diminuir as expectativas. E ainda carrego essa culpa de te importunar. Mas não diga desculpa quando quiser dizer obrigada. Por isso, obrigada por estar aí, do outro lado dessas palavras, onde quer que estejas.

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Dayanne Dockhorn
Revista in-Cômoda

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