Champagne Problems

Isac Chagas
Revista in-Cômoda
Published in
4 min readApr 27, 2023
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“Me diga você, me diga
O que é que sara a tua ferida?”

Lucro (Descomprimindo)” — BaianaSystem

De uns tempos pra cá, sinto que fui imensamente tomado por uma necessidade de ser e de avaliar as coisas de uma maneira tão pragmática que, ao me deparar com eventuais nugacidades do cotidiano, automaticamente fico exasperado: por que cargas d’água, ao comprar uma passagem de avião, você é informado sobre o número do terminal para o qual você deverá se dirigir no momento do embarque, porém, na maioria das vezes, ao chegar no aeroporto, só existe apenas um único terminal de embarque? Qual o sentido de existir uma informação da qual não farei uso?

Em meio ao voo, à medida em que percebo que um dos lados do meu fone de ouvido subitamente parou de funcionar, observo que a passageira sentada no banco da frente está chorando copiosamente. Minutos mais tarde, descubro que o motivo de sua tristeza incessante é que o seu pai havia falecido na noite anterior, vítima de um acidente de trânsito, e que ela havia pegado esse voo às pressas, para dar um último adeus ao seu querido pai. Diante de tal informação, o quão autocentrado e egoísta o indivíduo precisa ser para continuar se lamentando unicamente pelo fato de que iria continuar escutando Taylor Swift apenas com um único fone de ouvido durante todo o resto da viagem?

Da mesma forma que o pai da passageira havia falecido, alguém, também, neste exato momento, em algum lugar do mundo, poderia estar enfrentando uma batalha contra um câncer. Ou um rompimento amoroso. Ou “apenas” teve o azar do pneu do carro ter estourado em uma avenida sem acostamento. Ou, quem sabe, decidiu viajar para uma cidade na qual nunca havia estado antes e não se planejou adequadamente para visitar todos os lugares que gostaria de visitar.

Quem em sã consciência viaja e não monta um roteiro de viagem?

A minha terapeuta definiria isso como “uma consequência do fato dos meus pais terem me protegido excessivamente durante a infância”, pois eu tenho a tendência de paralisar diante de uma situação completamente nova e que me obriga a sair da minha zona de conforto. Só de imaginar em estar completamente sozinho em uma cidade que nunca visitei, me dá taquicardia. E se eu for assaltado? E se, por alguma razão, eu não conseguir comprar os bilhetes de embarque do metrô? E se eu solicitar uma corrida do Uber e, quando o motorista chegar, eu não conseguir encontrá-lo? E se a bateria do meu celular acabar e eu não conseguir voltar para o hotel? E será que eu estou aproveitando o suficiente e fazendo valer cada centavo?

Refletir sobre situações que me causariam inquietação dentro do contexto de uma viagem, instantaneamente, me faz desatinar e pensar em todos os possíveis acontecimentos que me levariam à ruína: e se os ingressos de um show que eu gostaria muito de ir se esgotarem antes mesmo de eu conseguir comprar? E se eu não conseguir pagar o aluguel no próximo mês? E se as camisas que comprei na Shein não me servirem e, de quebra, a minha compra for taxada pela Receita Federal? E se eu for demitido? E se ninguém comparecer na minha festa de aniversário? E se eu não conseguir ajudar financeiramente os meus pais? E se eu não passar naquela prova? E se eu for menos inteligente e intelectualmente capacitado do que eu acho que sou? E se eu não for o suficiente?

E se eu não for o suficiente pra você?

Durante toda a viagem — e durante os últimos meses —, não houve um minuto sequer no qual eu deixei de pensar em você: esses dias, eu pensei em você ao assistir o trailer do novo filme de terror do A24, e também pensei em você enquanto eu trabalhava escutando uma playlist do Spotify no modo aleatório, e nela havia uma das músicas que escutamos quando fizemos amor pela primeira vez, que começou a tocar, me fazendo lembrar de que eu estava com receio de estourar os botões da sua camisa enquanto eu a abria, naquela noite. Ainda me lembro da sua risada comedida e graciosa, lembro também de nós dois vendo o pôr-do-sol na Praia do Flamengo, assim como também me lembro de você falando que não acreditava em astrologia, mas sabia quais eram as principais características do seu signo. Enquanto estou preso no aeroporto, aguardando o voo que está atrasado há duas horas e meia, subitamente sou tomado por aquele já conhecido e famigerado pragmatismo que me faz julgar as informações desnecessárias contidas nas passagens aéreas: uma vez que não consigo interpretar as motivações por trás de determinados movimentos, ou não consigo até mesmo identificar a existência de tal motivação, não há nada que eu possa fazer a não ser seguir em frente. Um pelo dinheiro, dois pelo show. Eu nunca estive pronto, então eu vejo você ir.

Cada um de nós possui perspectivas individuais no que tange a gravidade de um problema — perspectivas estas que são orientadas por fatores sociais, ambientais e psicológicos. Logo, o tamanho e a complexidade de determinados tipos de problemas variam de pessoa para pessoa — e de realidade para realidade. Para algumas pessoas, pode ser relativamente fácil lidar com o fato de viver com uma doença autoimune, mas para outras, um dos lados do fone de ouvido parar de funcionar pode ser o fim do mundo. Independentemente do seu problema ser a perda de um ente querido ou uma encomenda extraviada, acredite: tudo passa. Afinal, como já dizia Jorge Amado: “tudo que é bom, tudo que é ruim, também termina por acabar.”

O avião, enfim, acabara de pousar. É hora de voltar para casa.

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Isac Chagas
Revista in-Cômoda

Decidi revisitar cada uma das eras da minha vida e irei documentar cada etapa desta minha jornada através dos meus textos. Cê me acompanha nesta aventura? :)