Confusão

Reirazinho
Revista in-Cômoda
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3 min readJul 22, 2024
art: The Death of the Pharaoh’s Firstborn Son, by Lawrence Alma-Tadema (1872)

Tenho um telescópio no coração. Onde miro, o sangue das estrelas orbita os sentimentos horrorosos. Em toda a minha vida fui uma catacumba de silêncio ermo. Todos tentaram adentrar, mas essa necessidade eremita de não ver gente sempre me possuiu. As pessoas caíram no que denomino como o meu pedantismo social: escombros cadavéricos que, enjoados de me verem por perto, morreram. Será que quando eu falecer virarei parte do cosmo? É estranho pensar que tudo desvanece num piscar de olhos. Quando pisquei, o meu universo virou pó.

Estou perturbado como nunca estive. No início da adolescência conheci a raiva, o denominador comum das pessoas ao meu redor. Laços arrebentados que a cólera queimou os instintos. Queimou até a mim, a pessoa mais calma da família. A apatia me deu a mão como ninguém me deu, porque a atmosfera da minha existência sufocará sempre o desânimo. No fim, conheci o vazio, este qual estou inerente ao meu estado de graça invertido. Agora sou o que entorpece a alma: um veneno em carne viva das danças cósmicas do acaso.

Tudo morre, até a esperança dum dia se curar; é estranho, mas essa doença terminal não poderia vir outra hora? A fase da revolta está passando, já caí no desgosto como tenho caído pela vida. Onde miro, expurgo lágrimas pretas dos meus familiares. Agora sou importante para eles? Quando viviam me açoitando com críticas, era porque me amavam? Será que algum dia eles suspeitaram que as palavras pestilentas perfurariam o meu dogmático silêncio? Quis ir embora do seio familiar. E que ironia dessa esplêndida vida, quis fugir de casa, mas fugirei a força para fora de mim, até da consciência de viver. Que maldição! Por que eu?! De tantos jovens, de tantas pessoas que causam raiva, apatia e vazio por aí, por que eu fui o azarado da vez? Às vezes a minha prepotência fala mais alto, e grito com o egoísmo de me achar merecedor. Milhões de jovens morrem de doença terminal, mas… não sei. Droga! Eu sou merecedor, sim! Quero mostrar para essa gente que tenho um mundo surpreendente aqui dentro. Existem mares introvertidos que nem os deuses podem mergulhar. Não sou uma pessoa ruim, muito menos perfeita, mas não ruim. A minha família deveria me amar. Ajudei pessoas em segredo, dei dinheiro aos necessitados. O que mais o universo quer de mim?! Percebo falar à toa, a agitação parece voltar, mas cessa num torpedo de angústia doente.

Posso sentir a melancolia dos arvoredos solitários; a tempestade de raios negros que o vento entorpece com desgosto dos espasmos do céu. Não sei mais o que pensar, tudo é chuva, tudo é lágrima. A raiva não passou, ela só se escondeu na minha inconsciência. Há sentido na vida? Eu preciso de ajuda, mas esse cuidado paliativo das enfermeiras é inócuo.

Tenho tanto medo, tenho medo de ir para o inferno só por temer a vida. Nada me responde, nenhum livro, pessoa ou ideia. Será que… Não sei… Acho a literatura um saco agora. Tive tanto medo de não agradar os acadêmicos da minha universidade. Quanta tolice! A gramática, as sintáticas e malditas regras inúteis, a pontuação; a lógica? Do que importa? Dane-se? Dane-se! Eu prefiro morrer em companhia, não quero ficar sozinho. Já não sei de mais nada… Tudo é devaneio, e eu vou morrer e sou tão jovem, que terrível!

— Paciente 134

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Reirazinho
Revista in-Cômoda

Sou feito de palavras não ditas e de melancólicas emoções. Contemplo o mundo escrevendo poesias, prosas, contos, ensaios e crônicas.