Conselho Sem Classe

mariogarciajr
Revista in-Cômoda
Published in
7 min readAug 21, 2019

A escola em que meu filho de 11 anos estuda avalia ele semanalmente. Toda sexta-feira tem prova. Acho um exagero. Mas aí, outro dia, eu fiquei pensando: e se eu saísse do papel de ex-aluno e atual pai de aluno? E se eu virasse um pouco ESCOLA e resolvesse avaliar a ESCOLA? Por que não?

Um mal necessário. É assim que eu avalio a ESCOLA de hoje. E se eu fosse uma ESCOLA, minha avaliação terminaria aqui. Seca e fria como um 6, um 5 ou um 9. Mas eu não sou ESCOLA. Ainda bem. Para mim e para o meu filho.

Por não ser ESCOLA, eu não o avalio nem o julgo pelo que ele sabe ou aprende. Muito menos pela nota que ele traz na caderneta. E sim pelo que ele é. E ele é foda. Educado, inteligente, curioso, carinhoso, esperto, cheio de carisma, com uma liderança natural, um jeitinho tímido tão doce, defeitos tão desafiadores, problemas tão humanos, que só sendo muito ESCOLA para não perceber. Procuro guiar meu filho pelo caminho da humanidade, da bondade, do amor, do entendimento, do respeito, da convivência harmônica, da tolerância pacífica, do procurar sentir, pensar com o coração, por que não?

Já a ESCOLA de hoje, continua exatamente a mesma que frequentei entre 1977 e 1990. E muito parecida com a que meus pais e avós frequentaram na primeira metade do século XX. Com exceção de alguns recursos tecnológicos que não existiam na época. Hoje não tem mais cópia mimeografada. Não tem mais pó de giz no quadro verde. Nem transparência feita com piloto no papel de acetato. Os laboratórios têm mais equipamentos, certamente. Toda sala tem ar condicionado. As carteiras são mais confortáveis. Os quadros são brancos, mas… as celas continuam claustrofóbicas, as janelas continuam fechadas e os olhos vendados. Para o horizonte, para o sentimento e o movimento das pessoas.

Os conteúdos como um todo continuam irrelevantes. A metodologia, com raras exceções, continua enfadonha. O sistema de avaliação continua cruel. A ESCOLA continua seguindo a mesma lógica do início do século XIX: formando massa acéfala para o mercado de trabalho. O que não é muito lógico. Porque até o mercado de trabalho mudou. E continua mudando. Cada vez mais rápido. E exigindo habilidades que a ESCOLA não contempla ou relega a segundo plano, como criatividade, empatia e coragem. O ensino em série, que produz robozinhos mecanizados continua o mesmo. A ESCOLA não leva em consideração as individualidades, as competências natas, os dons naturais de cada aluno. Prefere tratar a todos da mesma maneira. Como se não houvessem aptidões diferentes, talentos únicos, jeitos singulares de lidar com o aprendizado. O rapaz que tem facilidade com o pensamento analítico faz a mesma prova que a garota cheia de inteligência emocional. A ESCOLA continua querendo igualar os diferentes. E pior, continua querendo que todo mundo concorde com a ideia de que somos todos iguais. Não somos. E não merecemos ser tratados como tais.

O resultado de tudo isso? Não, não é passar de ano. É passar a ser um adulto cheio de frustrações. Uns porque se dedicaram muito. Fizeram todas as pesquisas e exercícios tolos, todas as tarefas sem importância prática. Estudaram todas as linhas de todos os capítulos, decoraram todas as palavras, responderam todas as provas cheios de medo de “se dar mal”. Para depois, adultos, perceberem que perderam grandes momentos de suas vidas debruçados sobre coisas que não lhe servem de quase nada. Que melhor seria ter dedicado mais tempo a pular amarelinha, jogar bola ou brincar de vídeo game; outros porque não se encaixaram, tiveram dificuldade para entender, vergonha de perguntar, falta de companhia para estudar, falta de jeito para pertencer. E, desde então, foram tachados como pessoas menores, incapazes, incompetentes, maus exemplos. A ESCOLA cria preconceitos. Valoriza o “certinho”, o “bonzinho”. Marginaliza o que não se adapta, o que questiona, o que coloca o dedo nas feridas.

O que é ser “bom aluno” afinal? É fingir que gosta do professor chato? Puxar o saco? É copiar o quadro inteiro no caderno sem saber o que está escrevendo? É decorar todo o assunto da prova mesmo sem entender nada? É não pensar? É ser apenas um repetidor? É não questionar? É aceitar tudo? Senhora ESCOLA, pare de distribuir rótulos! Não diga que um ser humano é mau aluno só porque ele não suporta nem se encaixa em seu sistema educacional atrasado e sem graça. Aliás, pare de tratar pessoas como alunos. Pessoas são pessoas. Em vez disso, faça como elas, evolua.

É claro que a ESCOLA tem seus pontos positivos. Hoje há mais respeito pela opinião do aluno. Uma visão um pouco mais humana. Atitudes e estruturas que visam mais o bem-estar deles. Atividades mais artísticas e lúdicas, que valorizam a criatividade. Mas ao meu ver, o melhor da ESCOLA continua sendo tudo aquilo que não está nos discursos dos professores nem dentro dos livros didáticos. O melhor da ESCOLA está na convivência, nas amizades que nascem, entram em crise, morrem, renascem, se fortificam. Nas negociações de espaço, na demonstração das individualidades, no entendimento da existência de personalidades diferentes. Nos trabalhos em grupo, nas construções coletivas, no compartilhamento das experiências extraclasse, na distribuição do saber adquirido na vida, na troca de ideias, no contraponto de pensamentos, nas disputas, nas pequenas rixas, na construção de sentimentos… Se a ESCOLA fosse minha aluna, eu diria: você tem um potencial incrível, mas se não mudar de atitude, vai continuar sendo medíocre.

E vai continuar perdendo a competição pela preferência da garotada. Sim, porque se a criança prefere jogar vídeo game a fazer o dever de casa, a culpa também é da ESCOLA. Se o adolescente prefere entrar na internet para ver youtubers em vez de pesquisar, a culpa também é da ESCOLA. Se o jovem prefere ler um gibi do que um livro de história, a culpa também é da ESCOLA. O conhecimento é algo fascinante! Muito mais legal do que a maioria das formas de distração ou de lazer. Mas você, dona ESCOLA, está estragando tudo. Tirando o brilho e o encantamento de saberes tão interessantes com exposições maçantes, conteúdos irrelevantes e avaliações injustas. Está conseguindo transformar tudo o que pode ser lindo e empolgante em algo chato e sem graça.

Como eu disse lá no início, meu filho, assim como a grande maioria das crianças, é educado, inteligente, curioso, carinhoso, esperto, cheio de carisma, tem uma liderança natural, uma doce timidez, defeitos e problemas. Foi assim que ele chegou até vocês. E se ele não consegue se interessar ou se empolgar pelo que aprende, a culpa também é SUA.

Mas, provavelmente, assim como a grande maioria das crianças, ele vai entender como o sistema funciona, vai abrir mão de algumas coisas mais importantes e de outras mais interessantes, vai se encaixar, vai passar de ano, mesmo que seja com notas medianas, e vai se formar. Já a ESCOLA, por receber crianças sensíveis, criativas, verdadeiras, cheias de sonhos e encaixotá-las, domesticá-las, podá-las e transformá-las em pessoas iguais e medíocres, está REPROVADA!

Abaixo dou algumas dicas de como as coisas podem começar a melhorar. Se você, dona ESCOLA, começar a agir urgentemente.

• Mude o desenho da sala. Chega de fileiras de carteiras. Abra a roda. Faça uma ciranda. Deixe que os alunos se olhem uns nos olhos dos outros;

• Identifique em cada sala os melhores de cada matéria. E estimule a ajuda mútua. Promova o intercâmbio. Realize mais trabalhos em grupo. Grupos pequenos, para que todos possam aprender. O mundo é colaborativo. Trabalhos em grupo são muito mais importantes e educativos que avaliações individuais;

• Saia das salas. Dê mais aulas ao ar livre. Ocupe praias, parques, praças, cinemas, teatros, galerias, museus de uma forma quase que cotidiana. Apontamentos em sala, no quadro negro, deveriam ser exceção, não a regra;

• O mundo não é mais vertical. As hierarquias estão acabando rapidamente. O mundo hoje é horizontal. Mais ainda, o mundo hoje funciona em rede. Não é mais escada, onde as pessoas sobem pisando em quem estiver na frente. É um grande salão, sem degraus, onde todo mundo se ajuda. Compartilhamento. Troca. Coletividade. Pare de estimular a competitividade. Pare de dar notas. Atribua conceitos.

• A educação caminha a passos largos em todo o mundo para o “learn by doing”. Todo conteúdo deve ser relevante, ter propósito e aplicabilidade. Se não, vira blá-blá-blá. Para que aprender algo que nunca será usado? Ninguém se interessa mais por isso. Todo este conhecimento está no Google, no Wikipedia e no Youtube. Qualquer pessoa pode acessar qualquer tipo de conteúdo em qualquer lugar e quando for necessário. Minha geração aprendeu isso com o tempo. Mas essa geração de hoje já nasceu sabendo disso. Eles aprendem muito mais na internet, no cinema e nos games do que na escola.

• Eu sei que todos os professores, diretores, coordenadores tiveram seus traumas escolares. Por favor, não queiram dar o troco nos jovens de hoje. Escola não é, ou não deveria ser, lugar de perpetuar traumas. Escola deveria ser vanguarda, andar na frente, propor e começar a construir um futuro melhor, uma sociedade mais justa e equânime. Pense, dona ESCOLA, em como o Youtube e o Netflix mudaram nossas formas de ver televisão; pense em como o iTUnes, o Spotify e o Deezer mudaram nossas formas de ouvir música; pense em como o Google e o Wikipedia mudaram nossas formas de pesquisar; em como o Uber mudou nossa forma de se locomover nas grandes cidades.

Estamos no fim da segunda década do século XXI. Vivemos no mundo das startups, do machine learning, da inteligência artificial, da realidade aumentada, da realidade virtual, dos bots. A escola do século XIX não cabe mais aqui. Reinvente-se! Urgentemente.

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