Cortar de unhas

Desta vez eu serei a prova de balas

Gabriel Muney
Revista in-Cômoda

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s/t, Antonini (2021)

Estou desperto. Rabisco cada uma das frases escritas: não decido o tom, não decifro os códigos; neste fulgor indeciso molho o lábio superior com a ponta da língua e encosto a beira do papel na afta vermelha; em seguida cuspo, meu palato recusa. Tenho o amargor incrustado na língua; o desprezo costurado a pele: uma certeza irrefutável. Desta vez, não vou me repetir; desta vez, farei com cuidado, serei imperceptível. Certeza nunca antes sabida, como a unha do pé encravada que foi recém arrancada e o breve gozo aliviado do vazio pela unha envolta de carne que não está mais lá. Ainda certeza constante, saber influenciado e tendencioso. Não percebi a tempo; percebo agora. Percebido, não se acomoda e nem se encaixa. Não cabe. Se comporta feito massa maleável esta minha certeza inflamável, este meu dedo alicateado. Encaixo a unha de volta enquanto o sangue escorre, e calço os sapatos. Talvez tenha me precipitado.

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