Curto, azul e com bolinhas brancas

Yaisa, Ndaluuateme
Revista in-Cômoda
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1 min readDec 12, 2017
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Era uma noite de clima fresco,
mas minha pele queimava.
A cada passo, parte de mim derretia
e ficava grudada pelas calçadas.
Cada olhar me arrancava as roupas
e eu, frustadamente, peguei-me sentindo vergonha
daquele curto, agora não-mais-confortável
short azul com bolinhas brancas.
Aqueles olhares gritavam
como se eu estivesse sendo punida
por estar ali, sozinha, àquela hora, daquela forma.
A cada passo, meu ponto de chegada
ficava mais distante e eu curvava-me,
permitia-me sucumbir,
transformava-me em algo mais repugnante
que os camundongos que corriam pela beira do asfalto.
Sentia-me tão suja quanto os cacos de container cor laranja
que ocupavam toda calçada obrigando-me a pular
sobre os restos de lixo espalhados pelo chão.
Eu já não era eu, a noite já não era agradável.
Qualquer caminho que eu tomasse,
já não servia mais de atalho.
Eu fui engolida pelos olhares que me vigiavam
como os postes de iluminação — precária— das ruas.
Quando pus os pés em casa,
eu estava nua. Arrancaram de mim a, naquela noite,
possibilidade de andar de cabeça erguida.

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Yaisa, Ndaluuateme
Revista in-Cômoda

Fragmento de lava que surgiu no instante em que, em mim, o primeiro vulcão entrou em erupção. Minha poesia pode não ser muito fácil de engolir.