Da série: Mini Crônicas sem Sucesso

Transpiração
Revista in-Cômoda
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2 min readNov 14, 2018

Saio do dentista e passo o batom em vão, a boca anestesiada me faz borrar e o vermelho vai parar no meu queixo. Ajeito um pouco e desisto. Olho pela janela. O dia hoje seria longo e eu sabia disso. Ainda com o dente sensível e irritada do sono mal dormido (novamente, novamente) resolvo ouvir com meu fone quebrado alguma música.

O que teríamos para o dia de hoje, afinal?

Deixo no automático e eis que a música invade tudo: o ônibus, as pessoas, as memórias de conversas esfumaçadas , o vidro, o ar e as pistas grandes da avenida da cidade, ah se eu tivesse um rolo de fotografia para revelar .

A música acaba, meu bem, eu coloco de novo, o meu coração é como vidro, como beijo de novela. Meu bem.

As casas que sempre olho quando passo por esse caminho atravessam minha retina de maneira mais rápida, meu bem, vem viver comigo, vem correr perigo. Uma delas podia ter uma rede amarela na varanda.

O trajeto é longo mesmo, havia me esquecido, mas volto a música, e o gole de cerveja no seu copo, no seu colo e no bar pelo qual acabei de passar fazem a viagem ser prazerosa.

Desço do ônibus na esquina na qual um peixeiro sempre vendeu seu peixe, passo pela praça e pelo ponto final que já viu lambe lambes, e já me viu de saia mais curta há uns 12 anos atrás, também.

Finalmente, entro na rua que vai dar a meu destino.

“Andar caminho errado pela simples alegria de ser….”

Dois meninos passam por mim, de bicicleta e riem, meu bem, meu bem…..

Paro a música e escuto minha voz, desafinada e alta, com metade da boca anestesiada, eu, gesticulando, meu bemmm e percebo que faço isso há quase uma hora, com o sorriso de canto no rosto. Ameaço chorar, mas rio.

Meu bem o mundo inteiro está naquela estrada ali em frente…o meu coração selvagem tem essa pressa de viver.

Belchior, né, me salvou uma manhã triste, e salvou por assim dizer essa crônica ainda não inteira.

Perdoem leitores, mas corações selvagens se arriscam e por vezes, se misturam.

para ler ouvindo: Coração Selvagem, de Belchior.

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