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De boca fechada

Fabio Pires
Revista in-Cômoda
Published in
3 min readApr 5, 2022

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Quieto, na minha e de boca fechada eu apenas desejava almoçar sozinho.

Naquele dia decidi me sentar sozinho com a intenção de não chamar atenção alguma, tanto que nem o barulho de cadeira arrastando eu produzi.

Em dias assim prefiro comer sozinho e ouvir o silêncio que emito dos meus pensamentos, porém no restaurante da firma “sozinho” não significa efetivamente que você consiga ficar sozinho.

Ou mesmo ter paz.

Até que estava indo bem no meu intuito, quando infelizmente levantei a cabeça e olhei para mesa em frente onde um sujeito cismava em falar continuamente.

O problema é que ele enquanto falava também mastigava e a sua comida decididamente me olhava.

E eu não conseguia parar de olhar.

Apenas desejava que ele se calasse embora a mesa continuasse alheia a sua falta de modos.

Inacreditavelmente todos pareciam acostumados com seu hábito.

E este sujeito ainda conseguiu piorar quando o assunto veio ao alcance dos meus ouvidos, visto que ele também tinha a intenção de fazer valer sua opinião em voz alta.

“A Dilma é uma m…”

Lá ia ele vociferar seu ódio.

A minha refeição descia lentamente como venho tentando há anos, muito também porque me esforçava para não olhar para sua boca sempre cheia durante seu discurso.

O assunto naquela mesa já havia mudado e eu não conseguia me desvencilhar daquela imagem grotesca.

“Esse técnico da seleção é um…”

Bradava o irritante sujeito entre uma garfada e outra.

“Ela também pediu para ser estuprada, né?”

Vociferava, o imbecil, enquanto seguia com seu festival de impropérios.

Eu já tinha me perdido nos assuntos que mudavam com intensa velocidade que quando caí em mim percebi que o que realmente me incomodava não era apenas a refeição passeando pela sua boca escancarada enquanto mastigava, mas sim ele ser o retrato fiel da maioria dos que me cercam.

Que para tudo tem uma opinião, mesmo sem se informar sobre.
Mesmo que ninguém tenha perguntado coisa alguma.
Mesmo sem se colocar no lugar do criticado.

Que é aquele que critica apenas por criticar para amenizar algum tipo de frustração por não conseguir ser nada além do que é.

Consegui perceber ao final da minha refeição que o que verdadeiramente me incomodou foi ouvir aquilo que não imaginava poder ouvir de uma pessoa em pleno século XXI.

Ouvi e não desejei ferrenhamente ser surdo, como de hábito ouço quando ouvimos alguma barbaridade, apenas desejei fortemente que pessoas assim apenas não existissem.

E nem procriassem.

E que eu tenho consciência plena de que sujeitos assim me servem de exemplo de como não me portar.

Ao menos são úteis se for vê-los como vi esse no refeitório, afinal ensinam o tempo inteiro:
Desde o básico da educação e da mastigação quanto a não ser um escroto misógino, preconceituoso e limitado.

E que eu saiba me manter de boca fechada e bem longe de pessoas assim.

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Fabio Pires
Revista in-Cômoda

Escritor com dois livros lançados, Editor, Redator, Tradutor e escreve na Impérios Sagrados, no Projeto C.O.V.A e na Revista In-Cômoda.