De onde?

Poeta Rafa Ribeiro
Revista in-Cômoda
Published in
2 min readFeb 26, 2020

Me perguntaram de onde é que eu sou e não soube responder.
Me lembro que já respondi que sou daqui,
de lá,
do outro lado do mundo,
do canto extremo da cidade.
Já disse que sou de onde a Lua brilha mais alto,
de onde se enxerga além da verdade,
de onde o gole de água tem sabor de poesia,
de onde a inspiração demora a dormir,
lá de onde as noites ainda são frias,
os dias duram mais que 24 horas,
de onde o grito invade os ouvidos e te acordam do nada,
de onde o caminho parece mais longo,
de onde se ouve uivos na madrugada.
de onde os gemidos ecoam na parede
de onde o suor correndo nas costas passa quente
de onde se sente o gosto da morte passando rente,
mas estou vivo.
Já falei que vivo,
que me sinto vivo a maior parte do tempo
e talvez por isso eu nem sempre saiba responder de onde eu venho,
é que viver me custa,
custa mais que a passagem paga pra ir e vir,
meu trem passa na plataforma,
mas não me busca
e eu dependo dele pra poder ir embora
moro bem mais longe que Jaçanã,
até queria te reponder outra hora,
mas é que ainda estou longe de onde eu queria estar,
Eu sou aquele que finca os pés no chão
Mesmo voando a cabeça nas nuvens
eu ainda sento no chão do vagão
eu ainda persigo as luzes
Eu me sinto cego se me olho no espelho
não sei é o reflexo
Onde se me perco em meus medos
Eu me mudei tanto nesses anos,
mudei rumos, jeitos, toques, afetos
mudei morada em corpos, copos, doses
Me embriaguei em mudanças causadas por mim
Mas nem sempre
Fugi de tudo que não fosse só eu,
Sozinho, cansei de trombar tanta gente
Cansei de sonhar
Corri pra mais longe que pude
fuipor medo de amar
e hoje não sei mais onde estou.

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