#DEFENDAOLIVRO

Eles querem restringir o conhecimento, destruir a cultura e sucatear tudo a ponto de nem precisarem chamar Guy Montag para terminar o serviço

Nícollas Lopes
Revista in-Cômoda
4 min readAug 21, 2020

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Photo by Jaredd Craig on Unsplash

Disposto a destroçar ainda mais a cultura e a educação deste país, o Governo Federal, através do ministro Paulo Guedes, anunciou recentemente que pretende tributar sobre os livros, itens imunes aos impostos por força constitucional, especificamente o artigo 150, inciso IV, alínea d, da Carta Magna. A imunidade prevista na Constituição, a qual se estende aos jornais, revistas e o próprio papel utilizados na impressão, não é em vão. O óbvio propósito é promover a cultura, a educação, a difusão de pensamento, arte e opinião. Nada mais é, como ensinou o clássico doutrinador tributarista Aliomar Baleeiro, direito que viabiliza a manutenção e preservação de outros direitos e garantias fundamentais, como livre a manifestação do pensamento, a livre manifestação da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença, dentre outros. ¹

Não surpreende ninguém o desígnio do Posto Ipiranga em tomar tal medida. Desde antes de assumir a pasta, Guedes já anunciava recriar a CPMF e modificar ou eliminar alguns tributos. Além disso, também não espanta que o Chicago Boy não tenha lá muita afinidade com os livros, basta lembrar a minguada biblioteca que o ministro ostentou em sua retaguarda em uma live em que participou recentemente.

A triste e opaca biblioteca de Guedes — Reprodução da TV Globo

Fora o gosto pessoal do ministro, resta evidente o caráter perverso da ação, quando a justificativa apresentada é que livros são produtos consumidos pela elite. Além da informação ser falsa, tal situação deveria ser encarada pela mão inversa, no sentido de fazer com que os volumes literários chegassem às mãos de brasileiros de todas as classes. A desfaçatez é enorme se pensarmos que o livro é tido como produto de elite e merecedor de taxação, enquanto sobre a propriedade dos iates, lanchas e helicópteros não incide qualquer tributo.

Mostrando-se um economista de meia-tigela e disposto a seguir com a agenda verdadeiramente elitista e de desinformação de seu patrão, Guedes pretende tornar a cultura e educação artigos ainda mais de luxo nesse país, sem propor uma séria e necessária reforma tributária. Ao invés disso, passa os dias a dar chiliques em entrevistas, pedir “prensa” ao Congresso, defender a privatização do Banco do Brasil, participar de live com grupo de investimento, e claro, propor a criação de ineficientes taxações, como a nova CPMF e a do livro.

“Mas os livros não são imunes de tributos?”

Sim e não. Explico. A imunidade tributária dos livros é cláusula pétrea e, portanto, imutável na Constituição Federal. Somente uma nova constituinte poderia modificar tal situação, criando uma nova Carta Magna. Portanto o livro é imune de tributos? Não exatamente, pois o texto constitucional fala expressamente em impostos, somente uma das cinco espécie de tributo. As contribuições, outra espécie de tributo, não estão cobertas pela imunidade constitucional e estão na mira do Ministro da Economia.

A “brecha” da imunidade constitucional é, de certa forma, remendada pela Lei nº 10.865/2004, a qual institui a alíquota zero de contribuição de PIS/PASEP e COFINS incidentes sobre a receita bruta decorrente da venda de livros. Tratando-se, porém, de legislação infraconstitucional, pode ser muito bem ser derrubada com uma mera reforma de lei, aplicando os 12% almejados por Guedes.

Deixando a parte jurídica de lado, aos olhos de qualquer cidadão é visível e cristalino que o objetivo do constituinte de 1988 de atribuir ao livro a imunidade tributária não vem sendo atingido, uma vez que o livro no Brasil é caro e, para muitos, já inacessível. Embora o número de integrantes das classes C, D e E venham tendo mais interesse nos livros — muito por conta de iniciativas de pequenas editoras e realizadores de festivais regionais e de comunidades periféricas — , a verdade é que o valor atual já é um inibidor de novos leitores. Neste cenário, pensar em encarecê-lo é um disparate. O problema é que vivemos no país dos disparates e dos absurdos, onde toda a lógica do Estado Democrático de Direito, antes minimamente estabelecida e edificada, parece agora uma maleável e trêmula gelatina no caldeirão do protofascismo entreguista.

Como amante e consumidor da literatura e novo autor, sou contra qualquer iniciativa que pretenda encarecer o preço do livro e/ou dificultar o seu acesso. Defendo que os preços sejam os mais baixos possíveis, com abatimento total de tributos e que a distribuição dos lucros sejam melhor ajustadas entre editoras e autores. Oponho-me a esta e todas as outras medidas de aniquilação da cultura e sucateamento da educação, como o recente corte de R$ 4,2 bilhões previsto pelo MEC para o orçamento de 2021.

Aliás, melhor dizendo, eu me oponho e me antagonizo a todo este governo, pois nada, em área alguma, foge ao plano de desmonte de instituições, enfraquecimento da democracia, privatizações, tributações absurdas, precarização do trabalho, negação da ciência, desmatamento, desprezo pela vida humana, obscurantismo, manutenção de privilégios e retirada de direitos.

Afinal de contas, como vimos com Baleeiro, taxar livros nada mais é do que direitos sendo cerceados.

Eles querem restringir o conhecimento, destruir a cultura e sucatear tudo a ponto de nem precisarem chamar Guy Montag para terminar o serviço.

[1] BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 151–152.

▬ Participe da campanha #DEFENDAOLIVRO e assine a petição contra a tributação dos livros neste link.

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