delivery de paixonite
um conto sobre amor e quarentena
Noite de sexta feira — quase madrugada — Maria Clara manda dezenas de mensagens seguidas para Malu, que por sua vez quer um tempo longe de qualquer aparelho tecnológico, o home-office lhe tirou toda paciência existente que tinha para telas luminosas.
São tempos sombrios para aqueles que simplesmente não conseguem se acostumar aos celulares, computadores, notebooks e tablets. Para Malu, apenas a simples lembrança de que segunda-feira teria que acordar e voltar a dar aulas para a tela de um computador era um absurdo, ultrage, uma afronta as suas habilidades pedagógicas, afinal, acabara de se graduar e o sonho de estar em uma sala de aula cheia de alunos ainda estava distante.
Do outro lado da tela, Maria Clara tinha novidades incríveis para contar a sua amiga cansada, novidades que também foram proporcionadas pelas maravilhas da tecnologia. O celular de Malu vibrava tanto que por um momento resolveu o desligar, assim poderia aproveitar seu tempo de paz e descanso como qualquer jovem adulta cansada faria, deitando em uma banheira — se ao menos houvesse uma banheira — de água quente. Esse momento não veio, olhou rapidamente as notificações e percebeu que se tratava de uma amiga desesperada, o que poderia fazer? Era seu dever moral sempre ajudar suas amigas tão queridas, ainda mais em tempos que todas estavam enlouquecendo aos poucos e tomando atitudes compulsivas frequentemente, este momento poderia se tratar de uma dessas atitudes.
Abriu a conversa tranquilamente e pronta para qualquer que fosse a notícia bombástica ou fofoca relatada, porém, não havia nada além de textos chamando a atenção, com o exato intuito de fazer o celular vibrar incansavelmente até que ela pudesse dar a atenção necessária. Suspirou cansada e então respondeu com um ríspido “o que foi Maria Clara?”. Em seguida veio a ligação e Malu atendeu sem vontade.
_ Eu tô apaixonada Maluzinha.
_ Como é que é?
_ É isso mesmo que você tá ouvindo mulher! Eu to a-pai-xo-na-da!
_ Maria Clara, cê tá furando a quarentena pra ver macho? Você não tá indo em mo…
(Maria Clara interrompe)
_ Não Malu! Deus me livre e guarde. Eu baixei aquele aplicativo faz algumas semanas.
_ Que Aplicativo Maria? Explica direito.
_ Sempre esqueço que você tem a dificuldade de uma avó com tecnologia. — Riu um pouco escandalosa.
_ Eu só não gosto dessas coisas… Que Aplicativo cê tá falando?
_ Tô falando de aplicativo de relacionamentos Malu, eu baixei faz algumas semanas e depois de dias e dias rodando aquilo… Finalmente achei o cara perfeito!
_ Sei… Você tá apaixonada pela tela do celular, é isso?
_ Não amiga, eu e ele conversamos todos os dias, ele é tão interessante, tem um papo tão bom, eu tô tão apaixonada! E essa história de isolamento social deixa tudo mais excitante ainda…
_ Como assim, Maria? Que que tem de excitante em ficar falando com a pessoa atrás de uma tela?
_ A nossa vontade de se ver cresce cada vez mais… Tenho certeza que quando chegar o dia eu vou estar doidinha.
_ Misericórdia… Toma cuidado, já pensou se é um doido? Um sequestrador, sei lá, a internet é perigosa.
_ Malu, você parece meu pai falando, credo! Eu já sou adulta.
_ Adulto namora pela internet agora, Maria Clara? — Suspirou deitando a cabeça no sofá e olhou brevemente para a casa vazia, a televisão desligada, um sentimento de solidão pairou pelo ar em míseros segundos — Eu não entendo você e a Luíza, sempre pulando de relação para relação…
_ Você que é boba, fica reclamando dos nossos relacionamentos só porque não conhece ninguém.
_ Eu sou realista, apenas. Relacionamentos não dão certo nem pessoalmente, imagine pela internet!
_ Pois você deveria tentar.
_ Tentar o que?
_ Baixar o aplicativo e criar um perfil!
_ Cê tá doida, Maria?
_ Não é crime, Malu, baixa logo, você vai se divertir, quem sabe conhece alguém legal, pode até convida-lo pra ir a sua casa…
_ Endoidou de vez… Eu trago um qualquer pra cá, além de ter a possibilidade do cara ser um psicopata, ele pode me passar corona!
_ Eu só não encontrei o meu amor ainda porque nós começamos a conversar faz três dias…
_ Menina… A quarentena tá te deixando mais carente que o normal, né?
_ Eu tô morrendo, Malu, juro procê.
_ Eu é quem vou te matar, me passa todas as redes sociais desse homem que eu quero ver a fuça dele.
_ Tô te passando pelo whatsapp.
_ Tenho que desligar Maria, vou tomar banho e também estou cansada de ouvir sua voz.
_ Pelo amor de deus, arruma um namorado!
_ Tchau.
Malu finalmente desliga seu celular e vai para o banho sem banheira, ainda assim relaxante e um tanto solitário. Talvez sua amiga estivesse certa, afinal, estava mesmo se sentindo sozinha e isso a fez pensar demais todos os minutos de seu precioso banho. Perguntas como “mas e se for apenas efeito da quarentena?” e “eu quero mesmo isso?” ecoou por sua mente diversas vezes. Nunca fizera questão do amor em sua vida, mesmo antes do Covid-19, era dispensável, trivial, banal demais para seu mundinho já completo e a ideia soava mais absurda ainda quando se lembrava que para conhecer alguém novo precisaria utilizar a internet.
Deitou-se em sua cama, totalmente nua e desinibida, pegou novamente o celular e o ligou. Nos próximos minutos ficou rondando a loja de aplicativos e por fim decidiu apenas pedir uma pizza por delivery.
_ Tem algumas coisas que realmente são úteis. — Disse para o vazio após concluir seu pedido, uma pizza calabresa com borda recheada de queijo cheddar.