Depois serei livre
Acho que excedi as possibilidades
Já falei de todas as minhas tristezas
E mesmo que não houvesse eu falado,
Já haveria noutro canto do mundo falado um poeta
Gênio, ou homem de talento
Daqui ou de outra esquina
Talvez da Albânia, ou de Portugal,
Falante da minha língua
Célebres narradores das incertezas de nossa raça
Premiados contadores de histórias,
De diferentes pseudônimos
De diferentes livros, sintonias
Observadores dos céus, das estrelas,
E, em geral, das curvas das mulheres
Realçadores das virtudes humanas
Homens, quase sempre, e hipócritas como eu
Sintetizaram já em todos os seus versos a filosofia
Jogavam, assim, de forma bonita, sua visão
Mesmo que fosse deturpada como a minha
Eram abusadores, e eram vítimas
Frequentemente me fazem perguntar
Se o bom dos meus versos está na familiaridade que
Decerto, sentem os meus amigos
Se só eles entendem bem o que digo
Frequentemente me fazem perguntar
Se só me resta o mais baixo a contar,
O mais épico dentre a sujeira
Dos meus afazeres cotidianos
Vasculho meus versos à busca de novidades
E percebo que resta-me isso,
Pois já pegaram as onças da história literária
A carniça da poesia inovadora
Resta-me falar da deformidade da minha nudez,
Das minhas vergonhas,
Dos meus impulsos, dos meus calores na rua
Que sinto quando a dias ninguém me toca
E dos meus ciúmes doentes,
Do que faço sozinho,
Da ânsia pelo poder, do tesão
De quando envolvo meu punho na nuca dos meus protegidos
Serei incontrolável,
Deplorável, insignificante, e talvez,
Depois de toda essa iconoclastia,
Serei livre
Livre para, depois de limpar as paredes da minha poesia,
Esvaziar as caixas de sujeira da minha alma,
Exorcizar meu eu-lírico,
Escrever sobre o resto do mundo