Depois serei livre

Gabito Fernandes
Revista in-Cômoda
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2 min readMar 29, 2016

Acho que excedi as possibilidades

Já falei de todas as minhas tristezas

E mesmo que não houvesse eu falado,

Já haveria noutro canto do mundo falado um poeta

Gênio, ou homem de talento

Daqui ou de outra esquina

Talvez da Albânia, ou de Portugal,

Falante da minha língua

Célebres narradores das incertezas de nossa raça

Premiados contadores de histórias,

De diferentes pseudônimos

De diferentes livros, sintonias

Observadores dos céus, das estrelas,

E, em geral, das curvas das mulheres

Realçadores das virtudes humanas

Homens, quase sempre, e hipócritas como eu

Sintetizaram já em todos os seus versos a filosofia

Jogavam, assim, de forma bonita, sua visão

Mesmo que fosse deturpada como a minha

Eram abusadores, e eram vítimas

Frequentemente me fazem perguntar

Se o bom dos meus versos está na familiaridade que

Decerto, sentem os meus amigos

Se só eles entendem bem o que digo

Frequentemente me fazem perguntar

Se só me resta o mais baixo a contar,

O mais épico dentre a sujeira

Dos meus afazeres cotidianos

Vasculho meus versos à busca de novidades

E percebo que resta-me isso,

Pois já pegaram as onças da história literária

A carniça da poesia inovadora

Resta-me falar da deformidade da minha nudez,

Das minhas vergonhas,

Dos meus impulsos, dos meus calores na rua

Que sinto quando a dias ninguém me toca

E dos meus ciúmes doentes,

Do que faço sozinho,

Da ânsia pelo poder, do tesão

De quando envolvo meu punho na nuca dos meus protegidos

Serei incontrolável,

Deplorável, insignificante, e talvez,

Depois de toda essa iconoclastia,

Serei livre

Livre para, depois de limpar as paredes da minha poesia,

Esvaziar as caixas de sujeira da minha alma,

Exorcizar meu eu-lírico,

Escrever sobre o resto do mundo

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Gabito Fernandes
Revista in-Cômoda

Estudante de História e militante trotskista. Aqui no Medium, entre a teoria marxista e uns poemas que eu escrevo.