Devolve meu ar

Poeta Rafa Ribeiro
Revista in-Cômoda
Published in
2 min readFeb 21, 2019
Photo by Matteo Modica on Unsplash

Moça, desculpa te incomodar, mas por favor devolve meu ar.

Eu tô sem respirar desde da Patriarca quando você entrou, já estamos no Belém e eu preciso descer na Sé.

Não tinha falado nada antes porque achei que tinha pego emprestado, que ia devolver em alguns minutos, mas meu peito já não aguenta mais, acho que se eu fumasse já teria morrido faz tempo. Até pensei em fingir um desmaio pra ver se reparava em mim, mas acho que o vagão todo ia vir ver se eu tava bem e você ia só seguir com seu livro e meu último suspiro.

Achei que conseguiria viver mais tempo sem os pulmões funcionando, mas agora percebi que não consigo. Nem ficar sem respirar e muito menos sem dizer que quero dividir contigo meu ar.

Quando você entrou e a senhora que estava sentada levantou pra descer, por um milagre, o único lugar vago foi seu. Eu segui de pé, esqueci completamente da música que estava ouvindo, me deu uma fraqueza nas pernas e então decidi sentar no chão mesmo, e partir dali eu vi, juro que vi todo meu ar saindo de mim e você aspirando pra dentro, doeu, mas deixei. Um sorriso de canto foi tudo que fez, nem sequer uma olhada, fiquei no meu canto agonizando a distância.

As estações foram passando e eu até agora não entendi como aguentei tanto tempo, acho que foi de ficar te olhando, fechei os olhos e realmente imaginei que quando meu vento voltasse seria diferente, talvez eu sentisse o doce da sua boca ou quem sabe até, por engano viesse um pouco do seu e eu pudesse viver contigo no peito.

Mas já chega! Fala comigo, me diz o seu nome e vamos descer juntos na Sé. Te pago um lanche e conto meu mundo que agora já nem sei mais se é o mesmo de antes, ficar sem respirar mudou como eu vejo as coisas.

Divide comigo seu jeito, me conta e passa um pouco do seu vento de dentro, me deixa sentir você, te roubar o fôlego e juntos soprar nossas asas. Reparei sua tatuagem no braço, leão, como nas minhas costas. Quando estive de olhos fechados, senti nosso mundo visto do alto. Acho que foi nosso sopro saindo juntos, dois sentidos pra um mesmo lado, aposto com o mundo que leões sabem voar assim.

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