Domingo e a melancolia

Anita Regina Lis
Revista in-Cômoda
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3 min readJan 9, 2022

é preciso admitir: domingos têm um quê de uma coisa meio horrível!

antes a melancolia dominical esperava ao menos o Fantástico. hoje já nem isso. o domingo traz junto dele o peso da obrigação de descansar. e isso meio que me faz pensar ainda mais: seria possível encontrar uma forma para descansar do peso da existência?

estou na luta hercúlea de, por mais 24h, carregar o peso de ser eu. eu queria poder colocar em palavras esse sentimento incômodo que, não sei bem se é ausência, angústia ou apenas tédio.

ainda agora desliguei a música porque, a voz de Fito Paez estava conflitando fortemente com essa voz que não sai da minha cabeça e fica o tempo todo me pedindo pra que eu faça alguma coisa. que mesmo sem saber se quero, acabo fazendo — no caso, hoje, escrevendo isso. que não servirá pra nada, aliás.

têm dias que não sei como me enganar, por isso, hoje, preciso confessar: eu não sei se gosto dos domingos. a sacralidade hostil implícita que os domingos carregam. a ambiguidade que sinto em ter um dia inteiro pra poder fazer só o que eu quiser e, não saber o que fazer por querer fazer muito. e não saber o que fazer por não querer fazer nada. é intenso. é muita coisa pra um dia só. é ter que aproveitar o dia. e isso me desconserta. acho que não sei aproveitar o dia.

fico imóvel, a mente não para. será que é vontade de comer doce? me pergunto. abro a geladeira mesmo sabendo tudo que tem lá. e mesmo sabendo que não quero nada. mesmo porque, não adiantaria me encher de comida, pois, o vazio que eu carrego em mim é sempre maior. é oco. cabe o mundo e quase me engole.

poderia, talvez, me entorpecer [de vinho, poesia ou alguma virtude, como me sugeriu Baudelaire…]. mas, também não quero. quero sentir o amargor. o cru. o sabor marrento de não fugir de mim. (porém, quero deixar aqui muito claro, que seria muito compreensível se eu decidisse fugir). minha mente alguns dias é um lugar inóspito. e minha memória é incrível: lembro sempre de todas as coisas (e pessoas) que eu gostaria de esquecer.

a vida, por vezes, tem sido insensível. e domingo é um dia perfeito pra ver escancarada à minha frente a falta de sentido que corro todos os dias pra tentar me esconder, pra tentar não ver e nem saber (mas sei).

eu entendo perfeitamente as pessoas que se cortam. ou machucam o corpo na tentativa desesperada de tentar dar forma à dor que não tem forma. mas, ainda que assim, dói. não sou esse tipo de autodestrutiva. nem tenho coragem pra marcar a carne pra simbolizar o que eu sinto. mas sei que é um jeito de externar. de fazer o grito ecoar pro mundo que a existência dói.

hoje eu não estou triste. e sei que não estou. é só que essa coisa em mim - oca e vazia - essa mesma coisa que pulsa e me inquieta. me arvora a querer sempre mais. a querer tudo. a querer sempre agora. me faz amar até o repulsivo. até o reprovável. o indizível. o inóspito.

e é porque viver é tão lindo, que me dói. dói como soco no estômago. dói como cólica menstrual. dói como a solidão que não acha quem. a vida é rua. é nua. é salgada…

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Anita Regina Lis
Revista in-Cômoda

se eu sinto, escrevo. e sobre isso, quase não há mistério.