Duas alianças no dedo: um laço para a eternidade

Hoje é aniversário de 1 ano da morte de uma pessoa que eu nem conheço e que só fiquei sabendo da existência ontem, mas que mudou minha forma de enxergar o outro.

Letícia Katz
Revista in-Cômoda
Published in
4 min readMay 19, 2018

--

Na volta para casa, pego o metrô bem na estação inicial: Jardim Oceânico. O trem vai vazio normalmente, e é o momento que consigo sentar e ler um livro. O poder do hábito: um livro que tenho indicado pra todo mundo. Queria conseguir lê-lo mais rápido, mas só tenho tempo pra ler no metrô, indo ou voltando do trabalho.

Sentei, abri minha mochila para pegar o livro, quando, de repente, uma senhora simpática senta do meu lado. Olhei em volta e vi uma porção de lugares vazios. Pensei:

“Ai, que saco! Ela podia ter sentado em outro lugar. Tá cheio de lugar vazio”.

Ela sorriu pra mim um sorriso tão puro que me senti culpada por ter pensado que ela havia sido sem noção.

“Ai, brasileiro adora ficar perto um do outro nos lugares”. Lá estava eu resmungando nos meus pensamentos.

Na nossa frente havia um casal jovem, provavelmente de uns 20 e tantos anos. Não paravam de se abraçar e beijar. Eles estavam definitivamente muito apaixonados. Pareciam estar matando a saudade gerada por uma semana intensa de trabalho, e finalmente comemorando a sexta-feira.

Foi um amor gostoso de olhar. Eles se olhavam com carinho. Havia um sentimento de cuidado no ar. Achei delicioso. Olhei meio sem graça, porque não queria que eles notassem minha presença ali. Queria que eles continuassem se amando daquele jeito sincero. Notei que a senhora ao meu lado também olhava fixa para o casal. Ela se voltou pra mim e sorriu:

— O amor é tão gostoso, né?

— Sim… — respondi e sorri de volta para ela.

— Você também tem um amor?

— Tenho sim — e provavelmente minhas bochechas ficaram vermelhas

— O meu se foi

Fiquei ali olhando pra ela esperando que ela completasse a frase. Não sabia se tinha entendido bem. Fiquei com medo de perguntar.

— Foi no ano passado. No dia 19 de maio. Amanhã completa um ano sem ele.

— Poxa. Sinto muito…

Por uns segundos senti vontade de sumir e não ter vivido aquela situação, porque nunca sei o que dizer nessas horas. Em seguida, pensei que ela poderia estar precisando conversar sobre isso e não tinha com quem falar. Então, agradeci por poder estar ali e ser ouvidos pra ela. Olhei pela janela do metrô na esperança de ter o que olhar, mas só vi parede e escuridão.

O silêncio durou apenas alguns segundos.

— Eu carrego a aliança dele no meu dedo junto com a minha. Olha!

Vi as duas alianças no anelar esquerdo dela. Meus olhos encheram de lágrima.

— Isso é tão lindo! Amei. É triste, claro, mas é lindo.

— Sinto muita saudade dele.

—Nem posso imaginar…

— A vida é assim mesmo.

Sim. A vida é isso mesmo e não tem nada que possamos fazer pra mudar esse destino. De qualquer forma, o que a gente pode fazer pra tornar essa caminhada menos cruel é amar. Amar pura e simplesmente.

— Quantos anos você tem? — ela me perguntou curiosa.

— 32.

— Eu te daria 16 ou 18 no máximo. Sua pele é perfeita. Benzadeus! Você parece uma boneca de tão linda.

— Que isso… Obrigada! — respondi sem graça.

Ela me disse que ia saltar em breve e se despediu me desejando um bom descanso.

Fiquei observado a senhora em pé aguardando a porta abrir. Fui acometida por uma vontade estranha de abraça-la. Pensei o quanto não sabemos nada sobre o outro e mesmo assim ainda temos tempo para julgar. Que droga. Hoje faz um ano que o marido dela faleceu, e estou aqui apenas desejando que ela esteja bem.

Eu tenho falado muito sobre amor, mas é porque sinto que o mundo ainda está muito carente. Todos nós precisamos falar mais sobre o amor. Assim, não vai sobrar tempo pra raiva.

--

--