Eu Não Quero Ficar
“Strike another match, go start anew
And it’s all over now, Baby Blue.”
“And It’s All Over Now, Baby Blue” — Bob Dylan
Eu não quero ficar porque sei que a dor será dilacerante e não poderá ser contida. Será exatamente igual das últimas vezes, ao passo de que também será sentida em uma intensidade nunca antes experimentada.
Eu não quero ficar porque já escolhi permanecer outras vezes, porque outrora já percorri essa estrada e sei que o destino final não é exatamente onde eu gostaria de chegar.
Eu não quero ficar porque não sei lidar com o fato de que somos tão parecidos a ponto de que, coincidentemente, o nosso livro de cabeceira é o mesmo. Antes fosse somente o livro que fosse o mesmo! Tudo o que diz respeito a nós dois é exatamente igual: desde o tipo de música que ambos consumimos, até a oscilação da nossa disponibilidade social, que consiste em, ora querermos desbravar as noites paulistanas, ora querermos ficar reclusos, na calmaria dos nossos lares. Apesar de cada parte de mim, mediante às compatibilidades, querer desesperadamente ficar, meu senso de autopreservação não acha prudente.
Eu não quero ficar porque você hesita, porque você não toma partido sobre coisa alguma, nem mesmo quando a democracia está em perigo iminente.
Eu não quero ficar porque eu realmente não sei se, quando você pergunta sobre o meu trabalho, você quer genuinamente saber sobre as minhas demandas em atraso ou se você apenas está mantendo a cordialidade com alguém de quem você não está a fim, mas não sabe como dispensar sem que haja dor.
E haverá dor.
Eu não quero ficar porque eu não sei, exatamente, o que esperar de você.
Eu não quero ficar porque a sua disponibilidade afetiva não é a mesma de antes. Fazia muito tempo que ninguém fazia com que eu cogitasse se valeria a pena ficar ou não, mas já tomei minha decisão.
Eu não quero ficar, pois você não quer que eu fique.
