FANTASIA DE MORTE

Bruno Madeira
Revista in-Cômoda
Published in
2 min readMay 7, 2021

Muitas vezes já quis vir a morrer. Muitas e muitas mesmo. Porém, nunca sonhei tanto com esse mórbido espetáculo, do que quando ainda me era uma pequena e degenerada criança. Apenas um filhote nesse oceano de atrocidades. No entanto, tente não confundir sua mente confusa; tal sonho jamais era um desejo ou um almejo, como se dá nas tendências suicidas. Na verdade, tudo era uma fantasia de minha criatividade infantil, onde em todos meus traumas e peculiaridades, eu me punha enfim a imaginar: como seria se eu então morresse? Como viriam a reagir e como seguiria o mundo sem mim? Como meus inimigos se afetariam e até o que seria de minha reputação? Tudo isso reluzia em minha mente, e me inspirava — nem que fosse só por um dia — a o quanto antes experienciar essa tal morte. Parecia tão apoteótico e heroico; apenas deixar de existir e ser mais uma das injustiças do universo. Todos se lamentando do que fizeram e do que poderiam ter feito. Lembranças de mim romantizadas e minha imagem sempre intocável — como um próprio santo católico. São Bruno das ilusões. As lágrimas escorreriam por dias nas faces alheias, e meu nome seguiria como saliva na boca dos demais. Enfim viria meu reconhecimento, de se ser somente eu. Apenas e somente — o ser que hei de ser.

E por dias seguia e segui-me nessa vida; fantasiando de todas as facetas essa tão reconfortante morte. Minha própria vida constava nela. Tudo era possível em meu fantasiar, e lá eu habitava tão quanto nesse planeta. Porém de súbito, se era enfim tão bom ter a morte como opção, que conclui que somente estando vivo para ter-se essa escapatória. Morto eu jamais poderia opcionar pela morte, e a ter tão próxima como minha fiel companheira. Minha shotgun. Era somente vivo que eu poderia morrer, e apenas assim que eu podia sonhar.

Desse dia em diante, nunca mais quis estar morto. Somente morrer.

--

--