Fly Me To The Moon

mariogarciajr
Revista in-Cômoda
Published in
4 min readMar 29, 2019
Photo by Rett Hill on Unsplash

Apago o último cigarro da carteira no braço almofadado do sofá da sala. A última carteira de cigarro, comprada um ano atrás. Aquela em que fiz questão de deixar um último cigarro dentro como prova de resistência. Passei um ano sem nem lembrar da existência deste cigarro. Mas hoje, ao sentar no sofá da sala com um copo de uísque na mão e olhar para a tevê desligada e ver na sua tela o reflexo de uma lua quase cheia, eu lembrei.

Lembrei que foi numa noite de outono como aquela que você tinha ido embora. Olhei para a porta e te vi de novo ali, de costas, com sua sacola vermelha nas mãos, parada. Você virou o rosto de lado e sem olhar diretamente para mim falou: — Pare de fumar, isso ainda vai te matar. Há um ano. Você se foi sem nem me dar um adeus.

As luas cheias de outono são as mais bonitas. Lembro quando lhe disse isso uma vez e você retrucou: — Não há como provar. Impossível você se lembrar da lua cheia de outono em pleno verão. Além do mais, tudo na vida é uma questão de gosto. E o seu gosto não pode prevalecer sobre o gosto do resto da humanidade.

Não gosto de uísque. Só de Jack Daniel’s. Você sabe. E até concorda. Olho agora para a garrafa vazia deitada no tapete da sala. A última da adega. Olho para o céu pela janela. A lua não está totalmente cheia. Embora esteja incrivelmente bela.

Desço as escadas do prédio com pressa. Mas ao chegar ao meio da rua, esqueço o motivo de estar ali. Sigo andando por sobre a faixa amarela de um asfalto sem carros. Sei que é de madrugada, mas não sei a hora exata. E lembro que há um ano eu tinha perdido o meu maior motivo para estar ali. Ou em qualquer outro lugar.

Não parei de viver depois que você se foi. Apenas deitei na estrada e deixei a vida passar por cima. De olhos fechados. Para não ver céu, estrelas ou luas. E o fato de eu estar saindo, ainda que de madrugada, era uma prova que eu despertara. Estava de novo com fome. E com sede. Havia esquecido como era a sensação de querer algo que realmente faz falta. E não apenas desejar o que se pode viver sem. Há muito não sentia fome nem sede, muito menos desejo. Parecia anestesiado de tudo naqueles últimos trezentos e tantos dias de vida.

Mas não naquela noite. Em que resolvi caminhar no meio de uma rua deserta, embaixo de um céu limpo, sendo vigiado por uma lua quase cheia, e com a intenção de preencher um corpo quase vazio. Vejo um bar aberto e entro. Você sabe o quanto eu odeio entrar em bares sozinho. Mas aquele não tinha quase ninguém. Pedi uma garrafa de Jack Daniel’s e olhei para a tevê ligada. Não havia reflexo da lua nela, mas um show do The Who em algum lugar dos anos 70.

Há uma fumaça no ar. Uma luz de penumbra. Na mesa de bilhar, dois homens jogam bolas e conversa fora. Próximo à porta, um casal se beija. Sentado em um banco próximo ao balcão, eu não me vejo. Não me sinto. Não entendo. E nem busco entender. Lembro de uma vez ouvir você gritando para mim da varanda da sua casa enquanto eu ia embora chateado por algum motivo tolo: — Sentir! Sentir é mais importante que entender.

Olho para o copo, meio cheio como a lua, e falo em voz quase alta para ninguém ouvir: — Mas e sentir sem ti? É possível?

Aquela noite poderia me responder. Ou não. Um outro casal entra no bar. Eles parecem brigados ou obrigados, o que dá quase no mesmo. Ele parece nervoso. Ela parece você. Ele vai ao banheiro. Ela vai à junkie box, pede para o barman desligar a tevê e coloca Fly Me To The Moon para tocar na voz de Frank Sinatra. Fly Me To The Moon. A nossa música. Na nossa versão.

Lua de outono meio cheia. E eu só queria voar com você para a parte escura dela. E te amar dissolvendo saudades. Levitar na falta de gravidade. Minha língua no céu da sua boca. Coxa com coxa. Um baile sem máscaras.

Levantei, puxei a estranha pelo braço e começamos a dançar. Eu poderia ficar calado, mas havia tanto o que falar, tanta poesia para desentalar: — Preencha meu coração com música, segure firme em minhas mãos, me beije e eu cantarei para sempre o nosso amor.

Sinto uma mão pesada no meu ouvido. Um chiado agudo. E mais nada.

Acordo no sofá de casa. Tenho dificuldade em manter os olhos abertos. Tudo gira. Tudo zuni no meu ouvido. Me sinto perdido. Fico abrindo e fechando os olhos aos poucos. Reconhecendo a sala e seus espaços, cada vez mais estáticos. Lembro da lua meio cheia e busco na tela da tevê desligada sua sombra desfocada. Tem algo branco lá, mas não é a lua porque o dia já está claro. Fecho e abro os olhos de novo. Consigo me levantar. Vou até lá. É um pedaço de papel colado com durex. Pego meus óculos na mesinha de centro e leio:

Fly me to the moon:
9555–5555

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